O tema foi debatido pelo Ministério Público Federal (MPF) durante Conferência na Escola Judiciária Eleitoral da Paraíba, onde foi abordada a importância do enfrentamento da discriminação online
Em palestra realizada neste mês na Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB), o procurador da República José Godoy, membro do Ministério Público Federal (MPF), abordou o tema urgente e necessário dos crimes de LGBTfobia nas redes sociais. Com uma abordagem histórica e jurídica, ele destacou a relevância de entender e combater o discurso de ódio contra a população LGBTQIAPN+.
Como ponto inicial de discussão, o procurador explorou a trajetória histórica do ódio e da discriminação. Godoy enfatizou que o ódio não é um sentimento individual e pontual, mas parte de um processo intencional de dominação e exercício de poder. Citando autores como Hannah Arendt e Michel Foucault, o procurador explicou que o ódio é constitutivo da formação dos estados modernos e fundamental para entender a posição que devemos adotar frente a esse fenômeno.
A palestra também fez uma conexão entre racismo e LGBTfobia, mostrando como ambos são usados historicamente para excluir e dominar grupos vulneráveis, não se limitando apenas à cor da pele, mas como um meio de poder e dominação. O procurador trouxe à tona a evolução do conceito de raça e como ele foi deturpado para justificar atrocidades e discriminações, incluindo a LGBTfobia.
Nesse sentido, ele destacou que, no final do século XIX, teorias pseudocientíficas surgiram deturpando estudos evolucionistas para proclamar a superioridade da raça branca. Ele citou o quadro “Redenção de Cam” de Modesto Brocos (1895), que reflete a teoria do branqueamento e a ideia de superioridade racial, mostrando uma avó negra agradecendo por ter um neto branco.
Racismo social
O procurador discutiu as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhecem a LGBTfobia como crime, equiparando-a ao racismo. Ele abordou a evolução do entendimento do STF sobre o racismo, destacando que o conceito foi ampliado para além de características físicas, como a cor da pele, e passou a ser visto como um fenômeno social.
Mencionou o julgamento do HC 82424, em 2003, onde um professor do Rio Grande do Sul foi condenado por escrever um livro contra o povo judeu. A defesa argumentava que não houve racismo, pois os judeus são brancos, mas o STF rejeitou essa tese, reconhecendo o racismo como uma construção social e não uma questão de diferenças biológicas, pois geneticamente, as diferenças entre os povos são mínimas.
Essa compreensão foi aplicada na análise da LGBTfobia, onde o STF determinou que o artigo 20 da Lei nº 7716/1989, que trata da injúria racial, também se aplica aos casos de LGBTfobia. Assim, crimes de homicídio motivados por LGBTfobia devem ser tratados como homicídio qualificado por motivo torpe, reconhecendo a gravidade e a natureza discriminatória desses atos. José Godoy enfatizou que essa abordagem histórica e social é essencial para combater efetivamente o racismo e a LGBTfobia. Ele ressaltou a importância dessas decisões para a proteção da população LGBTQIAPN+ e a necessidade de políticas públicas que vão além da esfera criminal.
Economização do discurso de ódio
Godoy também alertou para a disseminação quase epidêmica de crimes de ódio na internet, exacerbada pela priorização da liberdade de expressão sobre a proteção das minorias. Ele criticou a postura das big techs que lucram com o discurso de ódio e as fake news, destacando a necessidade de repensar essa abordagem.
Falácia da divisão
O procurador ainda descreveu a ideia de que os movimentos identitários dividem a sociedade como uma falácia, argumentando que questões como o racismo e a violência contra minorias ocorrem independentemente de serem discutidas publicamente. Ele criticou a noção de que apenas as minorias promovem o identitarismo, apontando que grupos hegemônicos, como empresários ricos no Parlamento, também promovem suas próprias identidades para benefício próprio.
Godoy mencionou que figuras políticas de minorias, como Erika Hilton e Fabiano Contarato, não só defendem questões identitárias, mas também se envolvem ativamente em debates sobre direitos trabalhistas e saúde pública. Ele ainda enfatizou a importância de refletir sobre o identitarismo e a branquitude, e como a crítica aos movimentos identitários pode ser uma forma de manter o status quo e ignorar as lutas legítimas de grupos marginalizados.
Avanço dos direitos humanos – Por fim, o procurador enfatizou o papel da Constituição de 1988 na superação do Estado baseado no discurso de ódio e na promoção de uma sociedade fundamentada em valores universais de direitos humanos. Ele chamou a atenção para a importância de continuar debatendo e avançando na luta contra a discriminação e o preconceito.
A palestra foi um chamado à reflexão e ação, reforçando a necessidade de enfrentar a LGBTfobia com conhecimento, legislação e políticas públicas eficazes. “A Escola Judiciária Eleitoral do TRE-PB se mostrou um espaço vital para o debate e a educação em torno de questões tão fundamentais para a justiça e a igualdade”, destacou Godoy.
LGBTQIAPN+
Conforme o guia ‘O Ministério Público e a Igualdade de Direitos para LGBTQIA+: Conceitos e Legislação’, produzido pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e pelo Ministério Público do Estado do Ceará, durante a trajetória dos movimentos sociais e das organizações dedicadas à defesa da cidadania e à promoção dos direitos humanos da comunidade LGBTQIAPN+, diversas siglas foram adotadas para abranger a diversidade de orientações sexuais e identidades que a compõem.
Cada letra tem um significado específico:
L (lésbicas): são as mulheres ou pessoas não binárias que se identificam com gênero que sente atração pelo sexo feminino.
G (gays): representa as pessoas que se atraem por indivíduos do mesmo gênero ou de gêneros parecidos.
B (bissexuais): são as pessoas que se atraem tanto pelo sexo feminino quanto pelo masculino.
T (transgêneros): são as pessoas que não se identificam com o seu gênero biológico. Também representa os travestis aqui no Brasil.
Q (queer): indivíduos que não se identificam com nenhum gênero ou preferem não se rotular.
I (intersexuais): pessoas que apresentam alterações hormonais que influenciam seus genitais externos e/ou internos. Por isso, não se encaixam nas normas binárias.
A (assexuais): indivíduos que se definem sem gênero ou que não sentem atração romântica ou sexual por ninguém.
P (pansexuais): pessoas que se sentem atraídas por indivíduos de qualquer identidade de gênero ou sexo.
N (não binárias): são as pessoas que não se reconhecem totalmente com o seu gênero biológico. Podem se identificar como homem e mulher, em uma mistura dos dois.
O sinal + (mais), ao final da sigla LGBTQIAPN+, representa as identidades de gênero e orientações sexuais que possam existir além dessas. Inclui os indivíduos que não se encaixam em um desses grupos.