Derrotado nas urnas, o presidente que finda o mandato no próximo dia 31, Jair Bolsonaro (PL), sofreu um novo revés ao tentar agradar ao Exército com a compra de 98 blindados Centauro II, sob o custo de R$ 5 bilhões (900 milhões de euros). Em atenção a uma Ação Popular (AP) impetrada pelo advogado Charlles Capella de Abreu, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), Wilson Alves de Souza, mandou o governo Bolsonaro suspender o contrato que seria firmado pelo Exército Brasileiro nesta semana.
Um dos pilares da AP é a contradição entre a aquisição bilionária para o Exército e as recentes suspensões orçamentárias, que prejudicou diversos setores do governo, principalmente as áreas de educação e saúde. Os cortes orçamentários afetaram até a emissão de passaportes, porque a Polícia Federal não tinha dinheiro em caixa para mandar imprimir os documentos.
“Nesse contexto, vê-se claramente que o ato atacado não atende aos pressupostos de conveniência e oportunidade, pois são evidentes a falta de razoabilidade, o desvio de finalidade, a ilegalidade e até mesmo de elementar bom senso, pois outra classificação não há quando, ao mesmo tempo em que se fazem cortes de verbas da educação e da saúde por falta de dinheiro, pretende-se comprar armas em tempos de paz”, diz trecho da AP do advogado.
Centauro II
O Exército estava empolgado em gastar os R$ 5 bilhões e chegou a anunciar no último dia 25 de novembro, através do Comando Logístico (COLOG) / Diretoria de Material (DMat), que o Consórcio Iveco–OTO Melara (CIO), havia vencido uma concorrência internacional para a compra de uma viatura blindada de combate de Cavalaria média sobre rodas. A vencedora, o consórcio CIO, é uma joint venture entre a Iveco Defence Vehicles (IDV) e Leonardo. O veículo é blindado caça-tanques sobre rodas, armada com um canhão de 120 mm e 45 calibres, e está em operação no Exército Italiano e sendo negociado com diversos países.
O interesse nos R$ 5 bilhões foi amplo. De acordo com o próprio Exército, na primeira consulta pública, realizada entre 22 de março a 31 de maio de 2021, foram 55 empresas interessadas nesse dinheiro e foram apresentado 28 modelos. Posteriormente, em um refinamento das propostas recebidas, a quantidade de empresas de armas de guerra foi reduzida pela metade. Depois, em novo refinamento ficaram só três modelos ofertados pelas indústrias de guerra na lista: Centauro II, LAV 700 AG e ST1-BR.
Exército brasileiro participou da invasão à República Dominicana
O Brasil vive em paz com seus vizinhos latino-americanos e a última guerra que ao país participou foi a Segunda Guerra Mundial e não há necessidade de gastar R$ 5 bilhões com armamentos. Em 1965, durante a ditadura militar, no comando do ditador Humberto de Alencar Castello Branco, o Brasil atendeu os desejos do governo americano para se intrometer em assuntos internos da República Dominicana e participou da invasão daquele país centro-americano enviando 1.130 soldados brasileiros.
A intromissão brasileira, nos assuntos internos daquele país, ocorreu porque os Estados Unidos temiam que a República Dominicana se tornasse uma “nova Cuba comunista”. Os Estados Unidos usaram naquele ano a Organização de Estados Americanos (OAE), para não dar a aparência de que não era um interesse exclusivo dos Estados Unidos, “A nação americana não pode, não deve e não irá aceitar permitir o estabelecimento de outro governo comunista no Hemisfério Ocidental”, disse em discurso o então presidente americano Lyndon B. Johnson. Os soldados invasores, incluindo o Brasil, receberam o nome de “Força Interamericana de Paz.”
Cinquenta e um anos depois, a OEA, em 15 de maio de 2016, uma declaração de reparação à República Dominicana, pelo papel de de desempenhado pelo órgão regional, ao dar o aval que permitiu uma intervenção militar no país durante a revolução civil-militar de abril de 1965. O Exército brasileiro, no entanto, não fez esse pedido de perdão ao povo dominicano.
Mesmo com a crise econômica, mundo gastou mais com armas
Apesar de o planeta não ter tido um ano considerado bom para a economia, ainda devido ao reflexo da pandemia do Covid-19, os 100 maiores produtores de armas do mundo conseguiram faturar juntos 592 bilhões de dólares (R$ 3,1 trilhões) em 2021, cujo valor representa uma elevação nesse mercado da morte em quase 2% em comparação à 2020. O aumento marcou o sétimo ano consecutivo de aumento das vendas globais de armas. A maior parte desse dinheiro representa ganho da indústria armamentista americana, apesar de a China ter despontado nesse mercado.
Em um release publicado em inglês e produzido pelo Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês), um dos autores do relatório, Xiao Liang, diz: “Os problemas causados pelas interrupções das cadeias de suprimentos atingiram as empresas americanas com mais força.”
Crescimento rápido na indústria chinesa de armas
De acordo com a entidade, as vendas combinadas de armas das 21 empresas na Ásia e Oceania, incluídas no Top 100, atingiram 136 mil milhões de dólares em 2021 ou 5,8% a mais do que em 2020. As oito empresas de armamento chinesas incluídas na lista tinham vendas totais de armas no valor de 109 mil milhões de dólares, um aumento de 6,3 por cento.
Em 2021, a CSSC chinesa tornou-se o maior construtor naval militar do mundo, com vendas de armamento de 11,1 mil milhões de dólares, após uma fusão entre duas empresas existentes”. As vendas combinadas de armas das quatro empresas sul-coreanas nos 100 Melhores cresceram 3,6% em relação a 2020, atingindo 7,2 mil milhões de dólares. Isto deveu-se em grande parte a um aumento de 7,6% nas vendas de armas pela Hanwha Aerospace, para 2,6 mil milhões de dólares. Espera-se que as vendas de armas da Hanwha cresçam significativamente nos próximos anos, depois de ter assinado um importante acordo de armas com a Polónia em 2022, na sequência da invasão russa da Ucrânia.
Vendas americanas vêm caindo
As vendas de armas das 40 empresas americanas na listagem totalizaram 299 mil milhões de dólares em 2021. A América do Norte foi a única região a registar uma queda nas vendas de armas em relação a 2020. O declínio de 0,8% das vendas de armas em termos reais deveu-se em parte à elevada inflação na economia dos EUA durante 2021. Desde 2018, as cinco maiores empresas no Top 100 estão todas sediadas nos EUA.
Uma onda recente de fusões e aquisições na indústria de armamento dos EUA continuou em 2021. Uma das aquisições mais significativas foi a aquisição pela Peraton da Perspecta, um especialista governamental em TI, por 7,1 mil milhões de dólares. “Podemos provavelmente esperar ver uma ação mais forte do governo dos EUA para limitar as fusões e aquisições da indústria de armamento nos próximos anos”, disse o Nan Tian, especialista citado no relatório da Sipri. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos manifestou a sua preocupação de que a redução da concorrência na indústria poderia ter efeitos de arrastamento nos custos de aquisição e inovação de produtos.