Previsões apontam redução de 3% de 2022 para 1,9% em 2023; inflação global estará em torno de 6,5%; ONU apela aos governos que evitem austeridade fiscal; documento incentiva reestruturação e redução do peso da dívida de economias em desenvolvimento
A produção mundial pode desacelerar dos cerca de 3% para 1,9%, no comparativo entre o ano passado e 2023. As Nações Unidas revelaram nesta semana que a taxa de crescimento será uma das mais baixas das últimas décadas. Os vilões do desempenho são choques graves e conjugados, que abalaram a economia mundial em 2022: pandemia, guerra na Ucrânia, crises alimentar e energética, alta na inflação, altos gastos com a dívida e a emergência climática.
Os dados acima são do relatório Situação Econômica Mundial e Perspectivas para 2023. A publicação do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais indica que a inflação global deverá permanecer em cerca de 6,5% em 2023, ano depois de ter atingido 9%. Em entrevista à ONU News, em Genebra, na Suíça, o chefe da Seção dos Países Menos Avançados da Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento, Unctad, Rolf Traeger, comentou o que o estudo qualifica como uma das mais lentas taxas de crescimento em décadas. Ouça a seguir a íntegra da entrevista:
“O cenário é sombrio. Por isso é necessário que a comunidade internacional, países tanto ricos como pobres, encontrem meios de se entender e cheguem a um consenso sobre como relançar a atividade econômica e o investimento no desenvolvimento econômico e social, especialmente dos países mais pobres.”
O relatório recomenda a reestruturação e redução do peso da dívida nos países em desenvolvimento, além da ampliação do financiamento para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS.
Economias dos países de língua portuguesa
O especialista descreve quadros em nações de língua portuguesa, analisando inicialmente economias em África. Como um todo, a economia do continente crescerá 0,9% este ano.
“Eu gostaria de citar Angola e Moçambique, onde o custo do serviço da dívida externa aumentou tremendamente. Se nós comparamos o nível de 2013 e hoje em dia, o que vemos é que em 2013 o custo de pagar juros principais da dívida externa desses países era de aproximadamente 10% das receitas de exportação. Hoje em dia é 40%. Ao mesmo tempo em que se beneficiam pelo menos da estabilidade em alto nível do preço das commodities, eles têm um fator negativo: o aumento do serviço da dívida externa.” O relatório indica que a economia do Brasil deverá crescer 0,9%. A América Latina e Caribe poderá atingir 2,5%.
Entre nações emergentes, que não estão isentas dos choques globais, destacam fatores adversos como efeitos desvalorização das moedas, aumento de custos de produtos importados e impacto da alta de juros aos credores estrangeiros.
“No caso do Brasil, digamos que há uma certa dificuldade em função da mobilização de recursos fiscais. Há discussões sobre reforma fiscal etc. em curso, mas que não vai ser implementada agora. O Brasil também é um grande exportador de commodities não energéticas, mas principalmente agrícolas, como soja, suco de laranja e carne. O país, por um lado, se beneficia pelos preços relativamente elevados, mas ao mesmo tempo, se confronta com esse arrefecimento do nível da economia e da demanda mundial por essas commodities.”
O especialista citou ainda Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe entre exportadores de commodities agrícolas que, no entanto, devem sofrer com os choques econômicos atuais. Já a dependência de economias do setor turístico é um fator que poderá pesar sobre Cabo Verde e Portugal. A recessão global e a redução de poder aquisitivo podem afetar várias nações, incluindo as mais desenvolvidas.
“Portugal se insere no quadro das economias europeias onde se prevê uma desaceleração brutal do nível de atividades econômicas. O crescimento na Europa em 2022 foi de 3,3%. Está previsto que em 2023 seja somente de 0,2%, ou seja, praticamente uma estagnação econômica na Europa. Isso vai ter reflexos obviamente sobre a economia portuguesa, dado que é muito dependente da chegada de turistas.”
O novo estudo aponta para uma possível expansão ligeira no crescimento econômico global para 2,7% em 2024. A situação dependerá da redução das contrariedades. Para o secretário-geral da ONU, António Guterres, não é hora para pensar em curto prazo ou na austeridade fiscal, fatores que “aprofundam a desigualdade, pioram o sofrimento e podem afastar ainda mais os países dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Vulnerabilidades fiscais e dívida nos países
O documento ressalta que o ímpeto de crescimento nos Estados Unidos, União Europeia e outras economias avançadas abrandaram de forma significativa em 2022. A situação afetou o resto da economia global por várias formas.
Entre as grandes economias, a previsão para os Estados Unidos é que o Produto Interno Bruto, PIB, cresça apenas 0,4% em 2023. Os autores do relatório defendem que não se pode descartar um desempenho nulo.
O crescimento na China poderá melhorar moderadamente. Com o recente ajuste da política de controle da Covid-19 e a flexibilização das políticas monetária e fiscal, a expansão econômica chinesa deve chegar a 4,8% neste ano. O estreitamento das condições financeiras globais, juntamente com o fortalecimento do dólar, exacerbou as vulnerabilidades fiscais e de dívida nos países em desenvolvimento.
Taxas de juro
Mais de 85% dos bancos centrais em todo o mundo apertaram a política monetária e subiram as taxas de juros que estavam em rápida ascensão desde o final de 2021, para lidar com as pressões inflacionárias e evitar uma recessão. A maioria dos países em desenvolvimento viu uma recuperação mais lenta do emprego em 2022 e continua enfrentando declínios significativos nesse campo.
As perdas desproporcionais ocorridas em postos de trabalho ocupados por mulheres durante a fase inicial da pandemia não foram totalmente revertidas com as melhorias observadas principalmente da recuperação do emprego informal. A ONU apela aos governos que evitem optar pela austeridade fiscal porque tal sufocaria o crescimento e afetaria de forma desproporcional os grupos mais vulneráveis.
A medida afetaria ainda os avanços na igualdade de gênero e as perspectivas de desenvolvimento intergeracional. Outra recomendação é a realocação de fundos e que os países priorizem os gastos públicos por meio de intervenções políticas diretas que criem empregos e estimulem o crescimento.