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O casamento igualitário fica: Uma história de conquista

O casamento igualitário fica: Uma história de conquista | Foto: Freepik

Artigo de Toni Reis (*)

A história do casamento igualitário, isto é, casamento civil entre duas pessoas do mesmo sexo ou gênero, remonta – na era atual – ao ano de 2001, quando foi legalizado na Holanda. Desde então, outros 35 países também passaram a reconhecê-lo, sendo 18% dos 193 países que existem no mundo. Pelo menos outros sete países reconhecem a união estável igualitária.

No Brasil o movimento LGBTI+ reivindicou esse direito desde o seu 8º Encontro nacional, realizado em Curitiba em janeiro de 1995. A querida deputada, senadora, prefeita e secretária Marta Suplicy foi a primeira parlamentar que bancou nossa reivindicação no Congresso Nacional, através do projeto de lei (PL) 1151/1995, que somente foi arquivado em janeiro de 2023, 28 anos mais tarde, sem nunca ter sido votado no plenário. Mais um indicador da omissão do Congresso Nacional para com a população LGBTI+.

Tivemos o prazer de participar de todo o processo da elaboração da proposição (PL 1151/1995). Participamos também de várias audiências públicas a respeito, inclusive eu com meu esposo, David. Saudade dos/das parlamentares Fernando Gabeira, José Genoíno, Maria Elvira… Numa dessas audiências houve um debate épico com o deputado e ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, que me perguntou quem era o passivo, eu ou o David. Respondi sem pestanejar: “Estamos aqui para discutir sobre cidadania, não sobre posições sexuais, mas caso o senhor queira, depois podemos ir para um restaurante, tomar um bom vinho, e o senhor me conta sobre as posições sexuais que pratica com a sua esposa e eu conto para o senhor o que eu faço com o David, uma troca de experiências”. Houve risada geral.

Lutamos para aprovar a lei até 2008, sem sucesso. Naquele ano promovemos no Congresso Nacional um seminário sobre advocacy e litigância estratégica e entre os/as palestrantes convidados/as tinha militantes LGBTI+ de outros países. Em sua fala, Marcela Sánchez, da organização Colombia Diversa, explicou que naquele país conseguiram o direito ao casamento igualitário através da suprema corte.

Mudamos de estratégia e atravessamos a Praça dos Três Poderes. No mesmo ano o governador Sergio Cabral, do Rio de Janeiro, entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, pleiteando a equiparação das uniões homoafetivas à união estável. Em 2009, a Procuradoria-Geral da República reforçou o pedido em âmbito nacional, entrando no STF com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277. Várias redes e instituições se tornaram amici curiae e acompanharam as ações no STF.

No dia 5 de maio de 2011, depois de duas sessões emocionantes no STF das quais eu participei, no julgamento conjunto das duas ações, o voto do nosso querido aliado do direito e da constituição federal, Ayres Britto, venceu com unanimidade entre os/as 11 ministros/as da corte, baseado nas cláusulas pétreas (direitos e garantias individuais) e nos princípios constitucionais da igualdade, da dignidade, da liberdade, da segurança jurídica e da cidadania, em detrimento do segregador e homofóbico artigo 226 da constituição federal. Depois, por provocação do então deputado federal Jean Wyllis, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução 175, que vedou “às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo”, de modo que ficaram permitidos no Brasil tanto a união estável quanto o casamento civil igualitários.

Ainda, em 9 de janeiro de 2018, a Organização dos Estados Americanos (OEA) publicou oficialmente a Opinião Consultiva 24/17, a qual consolida o reconhecimento do casamento civil igualitário para parceiros de mesmo sexo nas Américas. Os Estados membros da OEA que ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos, como o Brasil, têm a obrigação de adequar sua legislação interna aos parâmetros internacionais

No entanto, agora nos aparece essa proposta inconstitucional, esdrúxula e medieval, para não dizer fascista: o parecer do relator do PL 580/2007 na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados, que quer tirar esse direito conquistado, através de uma interpretação binária da constituição federal.

Algo que aprendi nesses 60 anos de vida e 40 anos de militância LGBTI+ é que a ausência de lei não significa a ausência de direito.

Entre os argumentos que usa para tirar nossos direitos, em seu parecer o relator afirma que “o casamento entre pessoas do mesmo sexo é contrário à verdade do ser humano” e que o casamento “tem como ponto de partida e finalidade a procriação, o que exclui a união entre pessoas do mesmo sexo”. Os queridos filósofos Sócrates, Platão, Aristóteles e Immanuel Kant devem estar se revirando no túmulo ouvindo essa barbaridade.

A verdade é algo que é discutível em qualquer situação, depende da localidade, da temporalidade, das questões científicas… Até o século 17 a maioria das pessoas acreditava a terra era o centro do universo, até Galileu Galilei comprovar que a terra gira em torno do sol, e por afirmar isso foi perseguido pela Inquisição e condenado por heresia. No Brasil, até 13 de maio de 1888, havia quem considerava ser verdade branco ter o direito de usar do trabalho escravo do negro. Também se tomava por verdade até 1932 que a mulher não tinha capacidade intelectual para votar, e que se passasse a votar as famílias seriam destruídas. Acreditava-se ser verdade que o casamento era insolúvel, até o saudoso senador Nelson Carneiro aprovar a legalização do divórcio no Brasil em 1977.

Sem falar de outras fake news e mentiras que se espalham sobre a comunidade LGBTI+: que queremos destruir as famílias; que queremos legalizar a exploração sexual infantil; que queremos sexualizar as crianças; que queremos tornar o mundo “gay”… o que é o cúmulo da ignorância. Muito pelo contrário, o que queremos construir são famílias em que não haja violência, machismo e patriarcado. Somos pelo respeito às crianças e aos adolescentes nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Não queremos tornar ninguém gay, nem lésbica, nem trans. As pessoas têm autonomia sobre seus corpos.

Vamos lutar contra essa excrescência de projeto que tenta tirar um direito conquistado. Não conheço ninguém que perdeu um direito com a aprovação do casamento civil igualitário, mas sei que 10% da população brasileira, 20,3 milhões de pessoas que podem usufruir desse direito.

E afinal de contas, quem tem que aceitar o casamento “gay” é a pessoa que foi pedida em casamento. Ninguém será obrigado a casar com quem não queira.

Vamos lutar contra esse projeto em todas as comissões, na Câmara e no Senado, no plenário da Câmara, na Presidência da República pelo veto e, caso seja sancionado, no Supremo Tribunal Federal e nas instâncias da Organização dos Estados Americanos e das Nações Unidas.

#NossasFamíliasExistem

#EmNossasFamíliasNinguémToca

#CasamentoIgualFica

#AmorVence

(*) Toni Reis é graduado em Letras pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Sexualidade Humana pela Universidade Tuiuti do Paraná, tem formação em Dinâmica dos Grupos pela Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos. É Mestre de Filosofia na área de ética e sexualidade pela Universidade Gama Filho e Doutor em Educação pela Universidad de la Empresa (Montevidéu). É pós-doutorando em educação. É diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTQI+ e diretor presidente da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH).