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O imbróglio da Eco 101 e alternativa para solução

Economista analisa o imbróglio da concessão da BR 101 no ES pela concessionária Eco 101 | Foto: Reprodução/YouTube

Guilherme Narciso de Lacerda (*)

A concessão da BR 101 no trecho que corta o ES foi feita em 2012 e fazia parte do Plano de Concessões Rodoviárias de 2011. A assinatura do contrato ocorreu em maio de 2013, já com atraso no cronograma em função de questionamentos judiciais por ocasião da licitação. Dez anos depois, em julho de 2022, a concessionária ECO101 fez solicitação de devolução da concessão, valendo-se de uma alternativa legal de 2017. Em dezembro de 2022 a ANTT tornou pública a admissão de atender ao pleito da concessionária.

As justificativas da empresa para a devolução, nos próprios termos do comunicado, estavam vinculados aos seguintes fatos: “a complexidade do contrato, marcado por fatores como dificuldades para obtenção do licenciamento ambiental e financiamentos; demora nos processos de desapropriações e desocupações; decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de alterar o contrato de concessão; não pedagiamento da BR-116; não conclusão do Contorno do Mestre Álvaro e o agravamento do cenário econômico, tornaram a continuidade do contrato inviável”.

A manifestação empresarial tal como está colocada não pode ser aceita. Não é recomendável comprá-la pelo valor de face, utilizando-se de um jargão que o mundo corporativo melhor entende. A companhia ECORODOVIAS é hoje a maior concessionária rodoviária do Brasil, administrando mais de 4.000 kms de rodovias e ela sabe muito bem o grau de complexidade de tais contratos e as obrigações que possui em termos de licenciamento de obras, desapropriações e financiamento. O argumento sobejamente difundido para a sociedade de que a causa maior do atraso nas obras de duplicação eram a restrição ambiental para atravessar duas reservas naturais no trecho norte do estado só fazem sentido para os próprios subtrechos e não para a rodovia como um todo.

Por sua vez, as penalidades impostas à empresa pelos atrasos na entrega dos investimentos e a decisão do TCU de exigir um reequilíbrio econômico-financeiro não poderiam ser aceitos como motivação para a devolução da concessão. Uma concessionária explora o ativo por um tempo cobrando o pedágio que estava no contrato, faz menos de 20% do que deveria fazer e depois reage às decisões tomadas pelo órgão fiscalizador e pelo poder concedente entregando a concessão? E ainda exige compensações financeiras em valores que assustam pela grandeza e pela nebulosidade em torno dos argumentos em que se apoiam.

É curioso que a mesma empresa que devolve uma concessão em que comprovadamente não cumpriu suas obrigações participou e venceu a licitação da BR 116 no trecho Rio/Governador Valadares, exatamente a rodovia que a própria ECO101 ressaltou no seu comunicado como sendo uma das causas da sua devolução. E tanto uma decisão quanto a outra ocorreram simultaneamente, em meados de 2022.

Além disso, a empresa ressalta o atraso na obra pública do contorno do Mestre Álvaro e a queda no número do tráfego de veículos por razões conjunturais. Os argumentos colocados são passíveis de serem avaliados. É possível que haja justificativas parciais para determinadas situações. Em outros pontos, pode ser que o poder concedente demonstre que a concessionária de fato incorreu em descumprimentos legais. Essas situações poderiam ser enfrentadas e resolvidas por meio de negociações. O próprio Contrato tem as alternativas para a resolução de conflitos, inclusive por meio de uma Câmara de Arbitragem.

Mas a empresa optou pela devolução. É uma alternativa legal, mas precisa atender a uma série de pré-requisitos. Não basta o parceiro privado decidir unilateralmente.

A decisão da companhia foi péssima para o Espírito Santo. Ela trouxe um enorme desafio para o governo e a sociedade. Desde meados do ano passado a questão está colocada sem ter até agora clareza sobre qual a alternativa que menos penaliza o Estado.

O governo estadual decidiu atuar proativamente e anunciou a disposição de destinar até R$1 bilhão para obras e manutenção da rodovia. Esta postura é rigorosamente correta diante da singularidade do tema. Ela reverte a passividade que o próprio governo estadual demonstrou até então no trato do assunto, desde o início da concessão.

Há muitas questões sem esclarecimentos em torno do acontecimento. Aliás, esta é uma marca da concessão desde a sua constituição. As limitadas informações disponíveis à sociedade é um problema de primeira grandeza que deveria ser enfrentada de imediato, tanto pelos órgãos federais diretamente envolvidos na busca de uma solução quanto pelo governo estadual. Após a operação policial de 2019 por suspeitas de irregularidades na concessão a empresa deveria ter tido maior empenho em aprofundar a interlocução com os usuários e com a sociedade como um todo.

Pelo que se sabe, parece que todas as alternativas até agora aventadas levam a prazos longos que penalizarão fortemente a economia capixaba.

Diante de tal imbróglio ofereço algumas reflexões a serem consideradas. Haverá reações sob o argumento de que elas não possuem base legal. Ora, é exatamente esse o ponto a ser enfrentado. A devolução desta concessão não é a única no Brasil e há vários casos pendentes de solução. Daí a necessidade de se pensar além do que se tem hoje.

Não se pode olvidar que a incômoda situação atual em várias concessões rodoviárias é fruto da desídia do governo federal nos últimos seis anos ao não atuar preventivamente na busca de soluções negociadas. O modelo vigente de se conceder, entregar o ativo público e depois apenas exigir relatórios periódicos para avaliar desempenho não mais funciona. Vale ressaltar que as divergências entre a concessionária e o TCU estão relacionadas a uma manifestação deste órgão sobre os cinco primeiros anos da concessão apenas. Nos anos seguintes, os descumprimentos contratuais se aprofundaram e eles ainda nem foram avaliados.

Além disso, é preciso incluir na mesa de negociações o fato de que a empresa possui várias concessões. Cada concessão é autônoma e corresponde a uma SPE-Sociedade de Propósito Específico, mas a controladora societária é uma só e tal situação não poderia ser desconsiderada quando se ofereceu a oportunidade de uma nova licitação federal. Faz sentido que uma empresa que solicita a rescisão antecipada de uma rodovia assuma uma nova concessão em uma rodovia em parte concorrente da outra? A solução apresentada em 2012 pela concessionária para a BR 101 ES/BA previa uma TIR de 10,47%. Dez anos depois, a mesma empresa participa de outra licitação – a da BR 116 Rio/Minas – que teve como referência uma TIR de 8,47%. É obvio que os cálculos de uma e de outra se deram em tempos distintos e cada plano de negócio tem suas peculiaridades, mas as duas dimensões precisam ser trazidas ao debate. Enfim, o núcleo do governo federal executor das políticas de infraestrutura não poderia ter assistido passivamente ao aprofundamento do litígio em torno da BR101 ES/BA como ocorreu.

O Poder Público pode (e tem o dever de) rever os seus atos, a qualquer tempo. As obrigações da concessionária precisam ser realçadas na mesa de negociação e, se for o caso, rever a aceitação da devolução.

A decisão de se fazer novos estudos para sustentar uma relicitação parece não ser apropriada; ela apenas irá postergar uma solução. O trecho com todo o seu detalhamento técnico já é de conhecimento minucioso da agência reguladora e do TCU. O melhor seria reescrever o próprio contrato, ajustando posições para um novo equilíbrio e a partir daí ajustar a manutenção do próprio concessionário ou abrir a possibilidade de uma transferência da concessão. Uma alternativa não pode deixar de lado o governo estadual. Uma negociação tripartite entre concessionária atual, poder concedente e o poder público estadual deveria partir de algumas premissas, tais como: a) revisão da decisão de se aceitar a devolução da concessão, nos termos permitidos pelo Decreto 9.957/2019 e da Lei 13.448/2017; b) revisão do programa de investimentos, com a inclusão de recursos públicos; b) repactuação da lista de obrigações do concessionário atual associando-a à admissão de responsabilidades administrativas e financeiras; c) revisão de possibilidades na condução negocial para reescrever o contrato de concessão comum recolocando-o como uma concessão administrativa (PPP); d) exclusão das pendências negociais/financeiras da gestão futura da concessão por um determinado tempo, prazo em que será buscada uma solução definitiva para a continuidade da concessão; e) fortalecimento da presença de representação dos usuários nas negociações e na fiscalização do contrato.

É óbvio que tais propostas não são simples de serem desenhadas. Mas a oportunidade não pode ser perdida. A constituição de uma instância de negociação no TCU pode ajudar nessa solução negociada. O caso da BR 101 ES/BA não é o único; há outros que estão pendentes de solução. Pensar além do que está posto é o desafio.

(*) Guilherme Narciso LacerdaEconomista, com longa experiência na academia e com diversificada atuação nos setores público e privado, Guilherme Narciso de Lacerda é doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP,, foi Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo, secretário adjunto de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de Belo Horizonte, Diretor de Operações do Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (BANDES), Secretário de Planejamento do Estado do Espírito Santo, Secretário de Finanças da Prefeitura de Vila Velha, Presidente da Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF) e Diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).