Banco Mundial recomenda cooperação contínua entre governos, sociedade civil e plataformas digitais para lidar com a questão; recomendações enfatizam necessidade de colaboração contínua entre governos, sociedade civil e plataformas digitais
A conquista de uma paridade de gênero ainda está distante, sobretudo no contexto da política, de acordo com análise envolvendo especialistas do Banco Mundial. O alerta faz parte de um artigo da especialista sênior em Direito e Gênero do Banco Mundial, Paula Tavares, e do professor de Direitos Humanos e Novas Tecnologias da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Unesc, Gustavo Borges.
Conforme dados do Mapa de Mulheres na Política da IPU-ONU, a média global de representação feminina nos parlamentos é baixa, registrando apenas 26,5%. No início de 2023, somente 27% das nações tinham uma líder feminina, apesar das mulheres representarem 49,7% da população global.
De acordo com o Banco Mundial “no Brasil, no que pesem as conquistas alcançadas por movimentos femininos e avanços legislativos em prol da igualdade de gênero, a representação de mulheres na política não tem acompanhado. No cenário político nacional, a representação feminina no Congresso é de apenas 18%. Considerando âmbito municipal e recortes específicos, os índices são ainda menores. As mulheres governam 12% dos municípios do Brasil, e, quando se analisam os dados das mulheres negras, o percentual cai para 4%. As regiões com os maiores percentuais de prefeitas mulheres são o Norte (15%) e o Nordeste (17%), enquanto o Sul (9%) e o Sudeste (8%) ocupam as últimas posições.”
Ele explicou que a desinformação, que consiste na disseminação intencional de informações falsas com o intuito de causar danos, emerge como um desafio significativo nesse contexto.
Quando fundamentada em questões de gênero, ela representa uma vertente de violência política de gênero que busca minar a liberdade de expressão e enfraquecer os fundamentos democráticos.
Mulheres na vida pública
Além de ser uma arma de influência política, a desinformação de gênero é sistematicamente empregada contra mulheres na vida pública. Mesmo aquelas que alcançam votações históricas na vida política são sujeitas a uma variedade de ataques pelo simples fato de serem mulheres.
As consequências não se limitam aos prejuízos individuais, acentuando estereótipos sexistas e fomentando atitudes misóginas, de modo a desencorajar as gerações mais jovens a buscar cargos públicos ou ingressar na esfera pública.
Paula Tavares faz uma leitura do cenário brasileiro falando das etapas até o momento atual.
“Pesquisas demonstram que, no Brasil, 58% das mulheres prefeitas afirmam ter sofrido assédio ou violência política pelo fato de ser mulher, sendo que, destas, apenas a metade registrou queixas ou boletim de ocorrência. Aproximadamente 74% sofreram divulgação de informações falsas, enquanto 66% foram alvo de ataques de discurso de ódio nas plataformas de mídias sociais. Nos últimos anos, algumas medidas foram tomadas pelo Brasil para mitigar o problema, como a promulgação da Lei Federal 14.192, de 4 de agosto de 2021, que criminaliza a violência política contra a mulher. As eleições de 2022 foram as primeiras após a vigência da lei, contando, inclusive, com uma página dedicada exclusivamente para denúncias de violência política de gênero.”
Propósito de reduzir a participação pública
Este cenário reforça a urgência de medidas concretas para mitigar e prevenir essa forma específica de violência política, de acordo com a especialista.
No âmbito desse tema, a relatora especial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão, Irene Khan, promoveu uma consulta pública, visando reunir perspectivas sobre as relações entre liberdade de expressão e as dimensões de gênero da desinformação.
O desfecho desta consulta encontra-se detalhado em um relatório das Nações Unidas, evidenciando que a desinformação de gênero se utiliza de preconceitos, estereótipos, sexismo, misoginia e normas sociais e culturais fundamentadas em valores patriarcais.
Essa prática visa ameaçar, intimidar, silenciar e excluir mulheres e indivíduos não conformes com as expectativas de gênero dos espaços públicos e posições de poder. O propósito final da desinformação de gênero é reduzir a participação pública, limitar a diversidade de vozes e opiniões, inclusive na mídia.
Base sólida para a implementação de estratégias
“Para a construção de um conceito claro de desinformação de gênero, é crucial considerar três atributos fundamentais: conteúdo, objetivo e alvo. O conceito tradicional de desinformação, definido como a disseminação intencional de informações falsas com o intuito de causar danos, revela-se inadequado para abordar de maneira abrangente a complexidade da violência contra as mulheres. No que tange ao conteúdo, a desinformação de gênero não se limita apenas à propagação de informações falsas; ela pode incorporar narrativas de gênero preexistentes, manipulando-as e amplificando-as para reafirmar estereótipos e preconceitos arraigados. Quanto ao objetivo, vale salientar que a desinformação de gênero não tem apenas o propósito de causar danos individuais; sua meta é dissuadir ativamente a participação das mulheres na esfera política. No que diz respeito ao alvo, é preciso destacar que a desinformação de gênero se direciona especificamente às mulheres.”
Um argumento do estudo é que se deve entender a desinformação de gênero como a disseminação de informações falsas, manipuladas ou amplificadas, que reafirmam estereótipos e preconceitos contra mulheres.
O objetivo é dissuadir ativamente a participação feminina na esfera política, enfraquecendo instituições democráticas e minando a coesão de sociedades inclusivas.
Como avançar no combate à desinformação
O combate à desinformação requer a atuação em diversas frentes, incluindo governos, sociedade civil e plataformas digitais. Nesse contexto, exemplos emergentes apontam alguns caminhos.
Como detalhado no relatório das Nações Unidas, governos têm adotado três tipos de legislação para combater a desinformação de gênero: leis relativas à violência online, leis que combatem a desinformação de maneira específica, e regulamentações voltadas a plataformas de mídia social para coibir a disseminação de conteúdo nocivo.
“No Brasil, embora a legislação de combate à violência de gênero on-line tenha sido promulgada, uma regulamentação específica para a desinformação continua ausente. No contexto global, desde 2015, a União Europeia e seus estados-membros têm avançado no combate à desinformação utilizando como referência as experiências de diferentes países. Um esforço recente e notável é o Código de Conduta reforçado em matéria de Desinformação de 2022, uma iniciativa pioneira que incentiva as partes interessadas do setor a formular padrões autorregulatórios. Além disso, a Lei dos Serviços Digitais (DSA) da União Europeia busca combater conteúdos ilegais e a desinformação, com base na qual vários projetos de lei têm sido propostos no Brasil.”
Além da legislação, esforços para combater a violência online incluem a promoção da confiança na governança por meio de educação cívica, alfabetização midiática e jornalismo de interesse público.
Outras estratégias abrangem campanhas de conscientização, capacitação, monitoramento de dados e colaborações, como a Coalizão de Ação em Tecnologia e Inovação, que buscam soluções para garantir maior equidade de gênero no espaço digital.
Em última instância, a recomendação é que para se avançar de maneira efetiva é preciso colaboração contínua entre governos, sociedade civil e plataformas digitais, visando combater a disseminação de desinformação de gênero e, por consequência, promover ativamente a igualdade de gênero na esfera política.