fbpx
Início > Pastores bolsonaristas e negacionistas do Covid-19 afastaram indígenas da vacinação

Pastores bolsonaristas e negacionistas do Covid-19 afastaram indígenas da vacinação

Imprensa alemã denuncia interferência de evangélicos bolsonaristas em tribos indígenas, induzindo a não tomar vacna | Foto: Arquivo

Priorizados no plano nacional, indígenas mostraram resistência à vacina contra Covid-19 influenciados por mentiras propagadas por líderes evangélicos seguidores do presidente que nega a existência da pandemia, segundo relatos

Além de interferir na cultura das tribos indígenas, ao querer impor a cultura do homem branco e de impor a religião alheia aos fundamentos e ritos religiosos dos nativos, evangélicos seguidores do negacionista presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afastaram os indígenas da vacinação contra o Covid-19. O fato ocorreu na Terra Indígena Araribóia, na Amazônia maranhense, e foi denunciado internacionalmente nesta semana pela Deutsche Welle (DW). A DW é uma empresa pública de radiodifusão da Alemanha, que transmite para o exterior programas de rádio, além de oferecer uma programação televisiva e um amplo portal de conteúdo online em 30 idiomas.

Segundo o noticiário da DW, doses de vacina contra a Covid-19 começaram a chegar às aldeias, ao mesmo tempo em que aldeias aguardam com ansiedade o imunizante, mas as equipes de vacinação observaram que houve uma resistência grande. Pastores e membros de igrejas evangélicas locais, adeptos à ideologia de extrema direita de Bolsonaro, vêm pedindo aos indígenas que não se vacinem, segundo relatos coletados pela DW Brasil.

“Eles [líderes evangélicos] estão dizendo que [a vacina] vem junto com um chip, que tem o número da besta, que vira jacaré…”, contou uma assistente social que conversou com a DW Brasil e preferiu, por questões de segurança, não ter seu nome revelado. Ela está em missão especial na região para esclarecer como as vacinas de fato funcionam. A campanha de desinformação é difundida via áudios e vídeos pelo celular, pelo sistema de radiofonia entre as aldeias e por cultos presenciais, aponta.

Assembleia de Silas Malafaia

No caso do Maranhão, relatam indígenas, a maior influência é da igreja Assembleia de Deus, que é a mesma que tem o “pastor” Silas Malafaia, amigo pessoal do presidente negacionista e que não segue os ensinamentos de Jesus, que estão na Bíblia, optando fazer política mundana de extrema direita. A DW entrou em contato com a Convenção Geral das Assembleias de Deus para esclarecer se a entidade é contrária à vacinação, mas não obteve resposta.

Segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, foram confirmados 41.251 casos da doença entre essa população, com 541 mortes. O dado oficial, que não considera aqueles que vivem fora dos territórios homologados, não reflete a realidade da pandemia, afirmam organizações indígenas, apontando que o número seria, na verdade, três vezes maior.

“Vacina não é de Deus”

No Estado do Amazonas, que sofre com a alta de casos e falta de oxigênio para pacientes, há relatos semelhantes de desinformação.  “Há pastores orientando os parentes [como indígenas se chamam] para que não tomem a vacina, porque ‘não é de Deus'”, afirma Nara Baré, coordenadora-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), mencionando casos relatados em Itacoatiara, região do rio Urubu, Manaus, Xingu (Mato Grosso) e Rondônia.

Mapear o curso dessa campanha de desinformação entre indígenas, por outro lado, tem sido um desafio. “A grande questão é que os que são seguidores dessas igrejas não falam. São os familiares desses parentes que contam porque eles estão muito preocupados”, detalha. Na região do Vale do Javari, que tem a maior concentração de povos isolados do mundo, a situação se repete, segundo Beto Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava). “Aldeias já disseram à Sesai que não irão aceitar a vacina”, conta.

As comunidades resistentes seriam aquelas vinculadas a grupos evangélicos. “Na comunicação que eles fazem por rádio, que todas as aldeias escutam, eles dizem que a vacina foi fabricada muito rápido para os indígenas virarem cobaia”, explica Marubo. A postura desses religiosos, analisa Nara Baré, está alinhado ao discurso do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia. “Ele fala mal da vacina, deslegitima a própria ciência. E a gente agora está fazendo uma campanha para incentivar a vacinação e combater as fake news e essa propagação pelos pastores”, afirma.

A situação piora o já grave quadro da pandemia, diz Marubo. “A atuação de grupos religiosos nesse contexto de pandemia é tão nefasta quanto o coronavírus. Isso nos desestabiliza, cria incerteza, desconfiança com a vacina”, opina. Na região isolada, à qual os imunizantes chegam principalmente por via aérea, doses estão sendo aplicadas no Alto Rio Itaquaí e Alto Rio Jutaí.

Mais vulneráveis

A priorização dos indígenas na campanha nacional de vacinação ocorreu depois de uma grande mobilização das lideranças junto à Justiça. Uma ação no Supremo Tribunal  Federal (STF) determinou que a União elaborasse um plano de enfrentamento específico. “Nós estamos sendo vacinados primeiro porque somos vulneráveis, corremos o risco de extermínio com essa pandemia”, defendeu Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Além de serem mais suscetíveis a doenças infectocontagiosas, indígenas sofreram com maiores taxas de mortalidade pela Covid-19 em relação à população em geral, como mostrou um estudo recente da Coiab e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).