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Pedido de propina feito por fiscal da Sefaz deu início à investigação sobre a fraude fiscal milionária das empresas de vinho


Através de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, o Ministério Público do Espírito Santo conseguiu desmontar um esquema criminoso de sonegação do ICMS de empresários do ramo de vinho, em conluio com auditor fiscal e o próprio ex-secretário de Estado da Fazenda. O prejuízo para o erário é estimado em R$ 120 milhões. A Operação que desbaratou a quadrilha foi a Decanter


O processo que o MPES protocolou na Justiça narra detalhes de como foi a ponta que proporcionou desarticular uma quadrilha de sonegadores do ramo do vinho, em conluio com o então secretário da Fazenda e um auditor fiscal da Sefaz | Foto: Reprodução

O velho e insolúvel esquema de cobrança de propina pela fiscalização da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) foi o estopim para o início da milionária fraude fiscal dos empresários de vinho, que tinha como objetivo sonegar o pagamento do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). É o que está escrito na ação Cautelar Inominada Criminal, que consta do processo de número 0004370-49.2022.8.08.0035, em tramitação na 6ª Vara Criminal de Vila Velha e que foi protocolada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES). Veja a seguir, em arquivo PDF, a inicial do processo 0004370-49.2022.8.08.0035, onde tem a relação de todos os nomes envolvidos no esquema de fraude do ICMS (essa inicial pode ser visualizada pelo portal do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, digitando em consulta processual unificada clicando neste link).

Exibir-Dados-do-processo

Na página 45 do processo há um diálogo entre empresários que comercializam vinho no Estado, decorrente das investigações que vinham sendo feitas e com o uso de quebra de sigilo telefônico dos integrantes da quadrilha que foi alvo da Operação Decanter. Ali na transcrição da conversa, o empresário Otoniel Jacobsen Luxinger (que foi preso) dialoga com o até agora fugitivo da Justiça, o empresário Adilson Batista Ribeiro.

É Otoniel Luxinger quem inicia a conversa e fala que auditor da Receita Estadual, Carlos Alberto Farias, que tinha sido enviado pela Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) para fazer a auditoria da distribuidora de alimentos em sociedade com o interlocutor (Adilson Ribeiro) propôs receber propina para não informar a Sefaz sobre irregularidades tributárias que havia detectado na empresa.

“Ele pediu R$ 150 mil”, “Parece doido”, “Estamos dispostos a dar R$ 15 mil, R$ 20 mil, R$ 30 mil”

“Ele quer dinheiro. Pediu dinheiro muito alto. (…) Ele foi lá na Real (empresa que Carlos Alberto Farias estava fiscalizando). Isso tudo é pressão psicológica para cima do servidor para ver se o servidor oferece dinheiro. Entende. Só que já tem um pessoal nosso que ofereceu dinheiro, aí ele pediu R$ 150 mil”, diz o áudio transcrito da conversa entre os empresários, que consta no processo 0004370-49.2022.8.08.0035. Em seguida, o mesmo Otoniel Luxinger reclama do alto preço da propina cobrada pelo auditor da Sefaz.

“Fora de cogitação. Empresa com um mês, você quer R$ 150 mil? Parece que é doido. O que nós estamos dispostos a dar é R$ 15 mil, R$ 20 mil, R$ 30 mil. Entendeu, cara?”, continuo. Em seguida, se referiu a Carlos Alberto Farias, como sendo “merda velho”. O auditor fiscal é funcionário efetivo da Sefaz desde 2 de julho de 1984, ou seja, atua na fiscalização há 38 anos. No processo, o MPES relata ao juiz da 6ª Vara Criminal de Vila Velha, Flavio Jabour Moulin, que na investigação inicial não pode provar que Carlos Alberto Farias recebeu efetivamente a propina, mas afirma que houve uma efetiva negociação para o recebimento indevido de dinheiro.

A Transparência do Governo do Estado revela que o auditor da Receita Estadual Carlos Alberto Farias tem um salário bem acima do que recebe o governador, com acréscimos chamados de “bonificação” e “abono permanência” | Imagem: Transparência

Auditor tem salário mensal de R$ 35.483,13

Por enquanto, Carlos Alberto Farias consta como sendo funcionário ativo da Sefaz. No último mês, a Transparência do Governo do Estado atesta que o adutor teve uma remuneração bruta de R$ 35.483,13. O valor do rendimento inclui o salário de R$ 29.48215, acrescido de “abono permanência” de R$ 3.532,47, de uma “bonificação desempenho” de R$ 2.168,51. E, em um verdadeiro deboche para grande parte da população capixaba que está passando fome, ele ainda recebeu R$ 300,00 de “auxílio alimentação líquido”. Segundo os dados do processo, o advogado que está fazendo a defesa de Carlos Alberto Farias é Silas Henrique Soares (OAB-15916/ES).

O fiscal recebe por mês R$ 10,251,23 acima do que o governador Renato Casagrande (PSB) tem como remuneração, para governar o Espírito Santo e R$ 15.406,14 acima de um secretário de Estado | Imagem: Transparência do Governo do estado

A Sefaz distribui à imprensa a seguinte nota: “A Secretaria da Fazenda (Sefaz) informa que aguarda o recebimento do processo a ser encaminhando pelo Ministério Público para que as devidas providências sejam tomadas. A Sefaz tem auxiliado nas investigações e reitera seu compromisso com a transparência, responsabilidade administrativa e o combate permanente a qualquer tipo de irregularidades”.

A Operação Decanter foi deflagrada na última terça-feira (12) pelo Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal – Gaesf, do MPES, em parceria com a Sefaz, e com o apoio operacional do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – Gaeco e do Núcleo de Inteligência da Assessoria Militar do MPES. Na oportunidade, o MPES informou que a fraude fiscal gerou um prejuízo ao erário estadual da ordem de R$ 120 milhões, segundo estimativas da Sefaz.

Como era o esquema de fraude na comercialização de vinhos

Para adequada compreensão da fraude, é necessário ter em mente que o comércio de vinhos se sujeita à sistemática da substituição tributária “para frente”, ou seja, o fornecedor (vinícola ou importador) precisa recolher, de forma antecipada, o ICMS que presumidamente incidirá sobre todas as etapas da cadeia de circulação da mercadoria. Em aquisições interestaduais, se por algum motivo o fornecedor não realizar o recolhimento antecipado, cabe ao adquirente fazê-lo, por ocasião da entrada da mercadoria em seu estoque.

O objetivo da organização criminosa sob apuração é justamente suprimir o ICMS-ST (substituição tributária) incidente nas aquisições interestaduais. Para tanto, essas aquisições são realizadas por intermédio de empresas credenciadas para atuar em regime de substituição tributária, o que as dispensa de recolher o ICMS-ST na entrada da mercadoria. Nesse caso, o recolhimento deveria ser realizado na subsequente operação interna (venda dentro do território capixaba), entretanto, para não o fazer, os criminosos emitem notas fiscais simuladas para empresas formalmente sediadas no Estado de Goiás. Como este Estado não possui convênio com o Espírito Santo para adoção do regime de substituição tributária, essas notas são emitidas apenas com o ICMS próprio, reduzido, ainda, a apenas 1,1% do valor do produto, já que as empresas envolvidas ainda gozam de um incentivo fiscal chamado “Compete”.

Com isso, as mercadorias objeto dessas notas fiscais simuladas permanecem fisicamente em território capixaba, sendo revendidas internamente às redes varejistas com notas fiscais emitidas por outro grupo de firmas atacadistas, sem nova incidência de ICMS. Isso é possível porque estas atacadistas têm o estoque artificialmente inflado por notas simuladas emitidas por empresas “noteiras” (fictícias ou “de fachada”), as quais lançam no documento fiscal a informação de que o imposto já foi recolhido, de forma antecipada, nas operações antecedentes, o que é falso, já que a maioria das noteiras sequer possuem entradas de mercadorias registradas em seus estoques.

O atual salário de Rogelio Pegoretti, como auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Espírito Santo é acima do vencimento de um secretário de Estado, cargo que ele ocupava até 2 de agosto do ano passado | Imagem: Transparência TCE-ES

O ex-secretário Pegoretti teria embolsado R$ 750 mil de propina

Nos relatos feitos pelo MPES ao juiz Flavio Jabour Moulin, da 6ª Vara Criminal de Vila Velha, e que constam no processo 0004370-49.2022.8.08.0035, é dito que o ex-secretário da Fazenda do Governo Renato Casagrande (PSB), Rogelio Pegoretti Caetano Amorim embolsou R$ 750 mil em propina dos empresários do ramo de vinho. “A partir da análise do investigado Otoniel Jacobsen Luxinger, foram identificados inúmeros áudios deixando evidente que ele e outros empresários do ramo de bebidas teriam pagado propina de ao menos R$ 750 mil para o então secretário de Estado da Fazenda, Rogelio Pegoretti Caetano Amorim, a fim de que este defendesse os interesses do grupo”, diz o MPES no processo.

A atuação do então secretário dentro da quadrilha, segundo os relatos do MPES, era de Rogelio informar aos demais membros do esquema criminoso qualquer investigação que a fiscalização da Sefaz estivesse fazendo com alguma das empresas do esquema de fraude. Outra atuação de Rogelio, de acordo com os relatos que constam no processo, era a de promover perseguição com a fiscalização sobre as empresas do setor de vinhos concorrentes, que não participavam do esquema de fraude contra o erário estadual.

Pegoretti, atualmente preso, tem salário de R$ 21,7 mil no Tribunal de Contas

O Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES), através de uma nota oficial informa que abriu investigação interna contra o auditor de controle externo da própria Corte, Rogélio Pegoretti Caetano Amorim, que ocupou o cargo de secretário de Estado da Fazenda até outubro do ano passado e que foi preso nesta semana durante a Operação Decanter. (foto de ingresso no sistema penitenciário de Viana)

Pegoretti, que cumpre prisão temporária no Presídio de Vina sob o número 131.574, está sendo acusado pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) por suspeita de ter recebido vantagens de empresários do ramo de vinhos, que vinham sonegando ICMS em um esquema criminoso. “Foi instaurada investigação preliminar pelo corregedor do TCE-ES, conselheiro Sérgio Aboudib, e oficiados o Ministério Público Estadual e o Juízo da 6ª Vara Criminal em busca de informações que possam subsidiar o prosseguimento das ações disciplinares”, diz a nota. Segundo o portal da transparência do TCE-ES, mesmo sendo um funcionário subalterno às ordens dos conselheiros, ele tem um salário próximo ao recebido pelo governador Renato Casagrande (PSB), que é de exatos R$ 25.231,90.

Por mês, Rogelio Pegoretti recebe atualmente um salário de R$ R$ 21.702,57 como auditor de controle externo, valor superior ao atual subsídio de R$ 20.076,99, que o Governo do Estado paga a um secretário de Estado, segundo o portal de transparência estadual. No entanto, Pegoretti ainda recebe mais R$ 1.839,26 a título de “valor alimentação”., que é um 51,75% acima do salário mínimo atual de R$ 1.212,00. Ele recebe liquido R$ 15.192,96, após o desconto do Imposto de Renda (R$ 3.471,25) e contribuição para o fundo previdenciária do IPAJM no valor de R$ 3.038,36.

O contracheque de Pegoretti, obtido através do portal da Transparência do TCE-ES ainda informa que ele foi nomeado servidor em 5 de fevereiro de 2013 e que deu entrada na lista de funcionários em 19 de fevereiro de 2013. A sua carga horária de trabalho, de segunda a sexta-feira, é de apenas 6 horas diárias. E o contracheque assinada que o funcionário Rogelio Pegoretti “está ativo”. O atual preso temporário foi o braço direito do governador Casagrande no manuseio de dinheiro público. Além de secretário da Fazenda, ele foi o presidente do Conselho de Administração do Banestes, o banco público estadual, e recebia um elevado jetom para exercer essa função.

Quem são os envolvidos na fraude fiscal contra o erário estadual:

1) Ex-secretário da Fazenda e atual auditor de controle externo do Tribunal de Contas do Espírito Santo, Rogelio Pegoretti Caetano Amorim

Advogados: Pedro Tavares Ruela de Assis – OAB- 30917/ES, Ana Maria Bernardes Rocha de Mendonça – OAB 13042/ES; Mateus Cunha Salomão – OAB-36017/ES e Edison Viana dos Santos – OAB- 7547/ES

2) Auditor da Sefaz, Carlos Alberto Farias

Advogado: Silas Henrique Soares – OAB- 5916/ES

3) Empresário José Gabriel Paganotti

Advogado: André Lopes Farias – OAB- 17314/ES

4) Contador Geraldo Ludovico

Advogados: Sandro Marcelo Gonçalves – OAB-12480/ES; Dayana Carla Ribas Carvalho – OAB-21378/ES

5) Ocean Atacadista Distribuidora Ltda

Advogado: Vinicius Rangel Viana Chein – OAB- 135232/MG

6) Empresário Wagney Nunes de Oliveira

Advogado: João Costa Neto – OAB- 19497/ES

7) Empresário Ricardo Lucio Corteletti, dono da empresa atacadista Newred Distribuidora Importacao E Exportacao Eireli, que fica na Avenida Joao Mendes, 772, em Santa Mônica, Vila Velha

Advogados: Filipe Lacerda de Moura Silva – OAB- 11028/ES; Rafael Merlo Marconi de Macedo – OAB-10096/ES e Tenório Miguel Merlo Filho – OAB-14775/ES

8) Empresário Hugo Soares de Souza

Advogado: Ainda sem um defensor neste processo

9) Empresário Otoniel Jacobsen Luxinger, sócio da empresa de comércio atacadista Total Mix Atacado e Distribuidora Ltda, na Serra.

Advogado: Ainda sem um defensor neste processo

10) Empresário Adildon Batista Ribeiro, sócio da empresa de comércio atacadista Total Mix Atacado e Distribuidora Ltda, na Serra.

Advogado: Ainda sem um defensor neste processo

11) Empresário Ramon Rispiri Viana

Advogado: Ainda sem um defensor neste processo