Materiais retirados da natureza são sustentáveis e passam por processos de tratamento para terem suas propriedades melhoradas
As fibras naturais lignocelulósicas (FNL) são materiais utilizados como reforço de argamassas de cimento Portland, material de construção utilizado ao redor do mundo. Na Universidade Federal Fluminense (UFF), a pesquisa de mestrado “Structure and mechanical behavior of lignosulfonate-treated piassava (Attalea funifera) fibers”, realizada pela aluna do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC/UFF), Paula Lage Agrize, utiliza tratamentos com Lignosulfonato de Sódio (NaLS) para promover o reforço dos componentes e propriedades da fibra de piaçava. A proposta visa aumentar o uso do material de origem natural e substituir as fibras artificiais.
As FNL são produzidas por processos biológicos, a partir de corpos de plantas e animais, porém esses materiais não são tão resistentes em meios agressivos, como de concreto e argamassa. Por conta disso, o projeto modifica essas fibras através de um tratamento com NaLS. No século passado, as fibras artificiais, como vidro, carbono e aramida, passaram a ser mais utilizadas, em virtude da uniformidade, da resistência e da maior rigidez que as naturais, mas os impactos ambientais de sua produção preocupam, quando se fala em sustentabilidade.
O coordenador do projeto e professor do Departamento de Engenharia Civil da UFF, Fábio de Oliveira Braga, comenta sobre a importância da nova substância para a produção sustentável de produtos. “Recentemente, passamos a olhar para a questão da sustentabilidade do meio ambiente. As fibras sintéticas gastam materiais à base de petróleo, utilizando combustíveis fósseis para realizar o processamento. A fibra de carbono, para se ter uma ideia, faz a queima em duas temperaturas, emitindo muito carbono durante o processo. A ideia é a gente utilizar um material que consegue ter boas propriedades e ajuda na sustentabilidade, também pelo fato de ser biodegradável. Então, usamos as fibras naturais para reforçar essa questão do meio ambiente, sem abdicar de boas propriedades para o seu uso em bases cimentícias”.
Reforço em fibras de piaçava
O uso de fibras naturais tem crescido nos últimos anos com a preocupação da escassez de recursos. O alto volume de desperdício e de lixo gerado pelo setor de construção civil aumenta a preferência por compostos naturais e sustentáveis. Segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABRELPE), a construção civil é responsável por 58% dos resíduos sólidos presentes em áreas urbanas do Brasil.
“As FNLs oferecem diversas vantagens, como alta resistência específica e rigidez, bom isolamento térmico, baixo custo e boa biodegradabilidade”, explica Agrize. A fibra de piaçava é uma FNL promissora para aplicações na construção civil. Obtida da árvore Attalea funifera, a piaçava possui fibra impermeável, forte, rígida e com uma alta disponibilidade no mercado. A árvore produtora está presente no nordeste, principalmente na Bahia, Alagoas e Sergipe. No Brasil, a piaçava é comumente utilizada para a produção de vassouras e pincéis, mas suas propriedades técnicas têm sido investigadas para o uso em biocompósitos.
Apesar de todas as vantagens do uso de fibras naturais, a sua natureza hidrofílica tende a prejudicar a ligação entre fibra e matriz (a argamassa ou o concreto). Em materiais compósitos que usam bases cimentícias, as FNLs podem apresentar em sua composição, substâncias que afetam a hidratação do cimento. Para evitar essa situação, tratamentos com lignosulfonatos (LS) foram realizados para mudar as propriedades das fibras naturais e apresentaram resultados promissores na melhora da ligação entre fibra e matriz das FNLs, especialmente em compósitos cimentícios.
O trabalho analisou as modificações físico-químicas causadas pelos tratamentos com lignosulfonatos nas fibras de piaçava, a microestrutura, a absorção de água e o comportamento mecânico.
Métodos utilizados no trabalho
As fibras foram separadas em quatro grupos diferentes. Três deles passaram por tratamentos usando lignosulfonato de sódio. A amostra restante compôs o grupo de controle classificado como “Piaçava natural”, mergulhada em água deionizada por uma hora.
Irradiação ultrassônica foi produzida através de um banho de ultrassom – dispositivo que gera ondas ultrassônicas de alta frequência em um líquido-, com o objetivo de melhorar a energia superficial das fibras e fazer com que a superfície aceite as moléculas de NaLS. Ao todo, 40 fibras de cada grupo de tratamento foram observadas e analisadas.
Também foram realizados testes para determinar o diâmetro das FNLs, avaliar as mudanças na cristalinidade das fibras e investigar as mudanças nas ligações químicas resultantes dos tratamentos.
O estudo também observou a estabilidade térmica das fibras, por meio de uma análise termogravimétrica, e o comportamento mecânico das FNLs, realizando ensaios de tração.
Resultados dos tratamentos
As fibras de piaçava são parcialmente cristalinas, com uma estrutura identificada como celulose nativa. As amostras PL-70-1h e PL-24h apresentaram um índice menor de cristalinidade comparadas com a piaçava natural (42,80%), com 40.69 e 39.82, respectivamente. A diminuição de cristalinidade indica que estes 2 protocolos de tratamento são menos eficientes para remover compostos amorfos da estrutura das fibras, e causaram degradação parcial da estrutura da celulose. Por outro lado, a amostra PL-1h-US apresentou uma cristalinidade similar à da Piaçava natural, indicando que o este protocolo é eficiente para preservar e limpar a estrutura.
A análise termogravimétrica revelou sinais de que componentes orgânicos foram removidos durante o tratamento de lignosulfonato de sódio. As curvas DTG (derivada da curva termogravimétrica) mostraram que, após o tratamento, a celulose que restou é menos suscetível à decomposição.
Além de ser mais eficiente ao preservar a estrutura identificada como celulose nativa, a PL-1h-US desempenhou a melhor limpeza das fibras, produzindo superfícies limpas e preservando a estrutura. A amostra também foi a melhor classificada nos ensaios de tração, apresentando os maiores valores médios de resistência, por conta da limpeza das impurezas da fibra e preservação da estrutura celulósica.
Tal amostra revelou que, após a imersão em um tratamento de lignosulfonato de sódio por uma hora e com auxílio do ultrassom, as fibras podem ter suas propriedades reforçadas, melhorando possivelmente a ligação entre fibra e matriz e aumentando a resistência das FNLs, que pode resultar no aumento do seu uso em bases cimentícias e na substituição das fibras artificiais, ajudando na questão da sustentabilidade e diminuindo a emissão de carbono.
O professor Fábio discorreu sobre os resultados obtidos pelo projeto “A gente já avaliou algumas fibras, como piaçava, e estamos trabalhando com outras. Os resultados preliminares que tivemos mostraram que o tratamento com lignosulfonato de sódio conseguem fazer uma grande diferença nas fibras.”
“Conseguimos atingir os objetivos do projeto, estamos chegando em uma etapa de incorporar isso nos próprios materiais compósitos, reforçando argamassas e concretos. Vamos testar outros protocolos de tratamento para ver se conseguimos realizar grandes melhorias de propriedades também no material final. Essas fibras terem sofrido tratamentos representa um grande ganho, principalmente na durabilidade, retirando extrativos”.
O mestrado de Paula foi publicado na revista Matéria, sob o título “Structure and mechanical behavior of lignosulfonate-treated piassava (Attalea funifera) fibers” e faz parte de um projeto mais amplo, chamado “Melhoria da interface em compósitos de base cimentícia reforçados com fibras naturais com reduzido impacto ambiental”, coordenado pelo professor Fábio de Oliveira Braga. Além do projeto de Paula, outro trabalho de mestrado foi publicado na revista Journal of Metals, Materials and Minerals, chamado “Mechanical behavior and physicochemical modifications in lignosulfonate-treated fique (Furcraea Andina) fibers”, realizado por Beatriz Dantas, que fez tratamentos em fibras de fique.
Texto: Assessoria de Imprensa da UFF, com o professor adjunto no Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal Fluminense, Fábio de Oliveira Braga. O mestre possui graduação em Engenharia Metalúrgica e de Materiais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro e Mestrado e Doutorado em Ciência dos Materiais pelo Instituto Militar de Engenharia.