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Pesquisa da UFRJ indica que a chave para a neurorregeneração pode vir do fundo do mar


Primas dos vertebrados, as ascídias podem apontar tratamentos para doenças tumorais e neurológicas em humanos


Pesquisa da UFRJ indica que a chave para a neurorregeneração pode vir do fundo do mar | Foto: Taynan Motta/Portal Nupem/Divulgação

Pesquisadores do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em Macaé, mergulham fundo em um estudo de organismos marinhos que podem ser a chave para tratamentos de doenças degenerativas do sistema nervoso central (SNC), como Parkinson e Alzheimer.

Ao pensarmos no tecido nervoso dos seres humanos, geralmente focamos apenas nos neurônios, responsáveis pelos impulsos nervosos. Mas existem outras estruturas chamadas células da glia ou neuróglia, que desempenham funções primordiais para a manutenção do nosso corpo. Entre elas, estão os astrócitos, tipo celular mais numeroso e com maior diversidade de funções, como sustentação, controle da composição iônica e molecular do ambiente onde estão localizados os neurônios.

Liderado pela pesquisadora Cíntia Monteiro de Barros, o grupo identificou nas ascídias − animais pertencentes ao filo Chordata e ao subfilo Tunicata −, células semelhantes aos astrócitos, até então só conhecidos nos vertebrados. O artigo foi publicado na revista científica Glia, especializada em neurobiologia, sob o título “Identificação de células semelhantes aos astrócitos em ascídias adultas durante a regeneração do sistema nervoso central”.

“Esses animais marinhos, considerados simples, são um excelente modelo para o estudo do sistema nervoso”, afirmou a cientista, que é diretora do Nupem. Segundo Cíntia, as similaridades das ascídias com os seres humanos têm um diferencial importante para a ciência, uma vez que os animais são capazes de regenerar o “cérebro” mesmo quando ele é totalmente retirado.

Objetivo

O objetivo dos cientistas de Macaé é entender como os animais marinhos se regeneram sem formar a cicatriz glial, uma estrutura que se origina no sistema nervoso central (SNC) após uma lesão. “Nós buscamos entender por que os astrócitos das ascídias se comportam de forma diferente e se há alguma sinalização do microambiente que ative mecanismos diferentes e impeçam a formação da cicatriz glial. O foco do estudo é identificar células, moléculas e vias de sinalização que possam ter um papel importante no processo de neurorregeneração”, resumiu a professora.

De acordo com a cientista, existem muitas espécies de ascídias. “Estudamos duas espécies que são cosmopolitas aqui no Brasil: a Styela plicata e a Phallusia nigra, abundantes no litoral do Rio de Janeiro. Avaliamos a capacidade de regeneração e a purificação de substâncias produzidas pelos exemplares que possam estar envolvidos na neurorregeneração, neuroproteção e neuritogênese”, explicou Cíntia.

Do prato a substâncias farmacológicas

As ascídias não são tão populares entre os brasileiros. No geral, os pescadores as reconhecem e as chamam de “batatas do mar” ou “seringas do mar”, já que costumam ficar encrustadas nas embarcações e, ao serem pressionadas, espirram água. Em outros países, como Chile e Japão, elas são mais conhecidas por serem adotadas na culinária local e até como um tipo de aperitivo industrializado. No Brasil, nós as encontramos no mar perto das encostas, encrustadas nas pedras, no píer e nas embarcações.

Consideradas importantes bioindicadoras, as ascídias têm grande poder de filtração, exercendo papel na purificação da água, na disponibilidade de nutrientes, poluentes e do plâncton, pois se alimentam de material em suspensão. São integrantes das comunidades bentônicas (organismos que vivem no fundo do mar, em oceanos, mares, rios e lagos).

Os compostos encontrados em ascídias, a partir de estudos químicos e bioquímicos, mostraram potencial na utilização como agentes antitumorais. A trabectedina e a aplidina, por exemplo, são agentes antitumorais retirados de ascídias. A primeira substância, inclusive, está sendo testada em casos de câncer de ovário, sarcomas de tecidos moles, câncer de endométrio, câncer de mama, câncer de próstata, câncer de pulmão e microcíticos e sarcomas pediátricos.

Parkinson e Alzheimer

Para a pesquisadora, os estudos para tratamento de Parkinson e Alzheimer são preliminares ainda, “mas já obtivemos resultados muito promissores com a molécula dermatan sulfato, um carboidrato complexo, purificado das vísceras da ascídia Phallusia nigra. Essa molécula é encontrada também no nosso sistema nervoso em regiões bem especiais, como os nichos neurônicos, onde encontramos os novos neurônios, porém em quantidades muito pequenas”.

Segundo Cíntia Barros, na ascídia Phallusia nigra esta molécula é abundante e, quando testada em cultura celular com neurônios de murino e de humanos, foi observado que ela participa no processo de neuritogênese, induzindo a formação de neuritos bem longos, e também na neuroproteção, mesmo após expor os neurônios a substâncias tóxicas.

 Os testes mostraram que o dermatan sulfato foi capaz de impedir a morte de 70% dos neurônios, além de ter diminuído também o estresse oxidativo. “Se considerarmos que estresse oxidativo e morte dos neurônios são umas das principais causas das doenças neurodegenerativas, encontrar uma molécula que não é tóxica e que possui essas atividades em conjunto é de grande relevância para que possa, com mais testes, ser utilizada no tratamento dessas doenças”, disse a diretora do Nupem.

Pesquisadores do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem), da UFRJ em Macaé | Foto: Divulgação

Colaboração internacional

Em parceria com colaboradores internacionais, a equipe de Cíntia estuda também as espécies Ciona robusta (com o Dr. Alberto Stolfi, da Georgia Tech University, EUA) por meio de ensaios de CRISPR-Cas9, para avaliar a função de genes envolvidos com a doença de Parkinson.

Com o cientista Anthony De Tomaso, da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara (EUA), a investigação é na espécie Botryllus schlosseri. Pesquisou-se quais vias de sinalização são ativadas no cérebro do animal em regeneração após a adição de um carboidrato complexo, o dermatan sulfato, já identificado pelo grupo em trabalhos de cultivo celular por evitar a morte dos neurônios e favorecer a neuritogênese.

A diretora do Nupem destacou que os trabalhos de colaboração internacional que utilizam as ascídias foram realizados por alunos selecionados em programas de pós-graduação com bolsa de doutorado sanduíche da Capes.  “Os experimentos em parceria internacional vão gerar, em breve, artigos científicos. É fundamental fortalecer grupos de pesquisa no interior do Rio para descentralizar e expandir o conhecimento e para que cada vez mais possamos formar recursos humanos qualificados, retornando à sociedade todo o investimento”, disse. O apoio da bolsa Cientista do Nosso Estado, da Faperj, ajudou a equipe com todas as descobertas, bem como a bolsa Pq2 do CNPq.