A Universidade Federal Fluminense (UFF) destaca que é pioneira na comunicação criptografada
Criar uma comunicação altamente segura a partir do uso de partículas de luz (fótons), com foco em áreas estratégicas e na segurança de dados. Esse é o objetivo da Rede Rio Quântica, que desenvolve a primeira rede de criptografia com essa tecnologia no país e conecta cinco instituições de ensino e pesquisa do estado. Coordenado pelo professor do Departamento de Física da Universidade Federal Fluminense (UFF), Antonio Zelaquett Khoury, esse projeto visa à otimização do sistema óptico e à transmissão de informações por meio de feixes estruturados e qubits.
A pesquisa científica realizada no escopo do projeto trabalha a segurança das chaves criptográficas com fundamento nos princípios da física quântica, ao contrário dos protocolos atuais que se baseiam na complexidade matemática dos algoritmos de decodificação. Dessa forma, o progresso dessa técnica pode contribuir diretamente para proteger setores sensíveis e dados sigilosos de interferências e acessos externos.
Funcionamento do sistema quântico
Na criptografia convencional, as informações são codificadas em bits (0 ou 1), a partir de chaves digitais para realizar a decodificação dos dados transmitidos, e está presente em celulares e computadores, por exemplo. A comunicação quântica, por outro lado, utiliza qubits – representações simultâneas de 0 e 1 -, graças à superposição de estados.
Para Khoury, esse fator expande significativamente o potencial da criptografia. “Esse método torna a comunicação praticamente impenetrável a tentativas de interceptação e oferece uma opção extremamente segura, que utiliza também o fenômeno do emaranhamento, uma tecnologia considerada crucial para preservar comunicações sensíveis, desde autenticações bancárias até a troca de informações estratégicas para a segurança nacional”.
Para expansão dessa tecnologia no Brasil, criou-se um projeto de implementação do Laboratório de Tecnologias Quânticas do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a fim de produzir e desenvolver componentes nacionais. A distribuição da computação quântica é liberada da UFF para a CBPF, que distribui para as outras instituições, e busca permitir o acesso remoto a computadores através de canais quânticos que vão além da troca de chaves criptográficas.
Atuação conjunta de instituições de ensino e pesquisa
A iniciativa envolve cinco instituições fluminenses – UFF, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e CBPF – que são conectadas por dois meios: aéreo e por cabos. A conexão aérea é propiciada por um feixe de fótons entre essas a UFF e a CBPF. A partir do Centro de Pesquisas Físicas, uma rede de fibra óptica interliga a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Há ainda perspectivas para incorporar o Instituto Militar de Engenharia (IME) à rede.
De acordo com Khoury, a parceria entre os membros é um dos pilares para o desenvolvimento do projeto. Os representantes mantêm diálogo constante por meio de reuniões cujo propósito é identificar e resolver desafios técnicos que surgem durante o desenvolvimento da Rede.
“Cada instituição possui pelo menos um representante no projeto que atua como interlocutor junto às autoridades de sua instituição, o que ajuda muito na resolução de problemas locais, sobretudo aqueles relacionados à infraestrutura, como equipamentos, espaço físico e recursos técnicos. Esse alinhamento entre as partes garante a sinergia necessária para o avanço e sucesso da iniciativa no cenário científico nacional”, destaca o professor da UFF.
Inspiração para pesquisas semelhantes em outros Estados
O desenvolvimento regional do projeto no Rio de Janeiro serve de inspiração para outras redes quânticas de pesquisa, como as de Recife e São Carlos. “Com uma vasta participação em projetos nacionais conjuntos há pouco mais de vinte anos, a comunidade de informação quântica no Brasil é muito unida, atuante e com um longo histórico de cooperação científica.
Nesse momento, por exemplo, vários participantes das três redes fazem parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Informação Quântica Dessa forma, certamente, a Rede Rio Quântica poderá servir de plataforma de testes para novas tecnologias quânticas desenvolvidas por outros grupos nacionais. Além disso, a meta a médio ou longo prazo será a integração das redes nacionais por satélite.”, comenta o docente.
Por lidar com questões físicas complexas, o projeto enfrenta algumas interferências, principalmente nas questões de alinhamento do feixe de fóton que conecta a UFF e o CBPF. Entretanto, pesquisas feitas pelos desenvolvedores têm facilitado o processo. “Esse problema está sendo estudado com duas abordagens complementares: primeiro, estamos trabalhando no sistema óptico usado na produção do feixe de luz enviado para otimizar a sua focalização no laboratório receptor. Além disso, estamos estudando formas de transmissão de informação com a detecção parcial de feixes ‘estruturados’, isto é, preparados com propriedades espaciais que permitem a codificação e leitura de informação.”, explica o coordenador do projeto.
A Rede Rio Quântica representa um passo para a criação de um campo de testes, a fim de aprimorar tecnologias emergentes e avançar a posição do país nesse cenário de pesquisa. A expectativa, de acordo com o coordenador, é que, conforme o Brasil comece a obter resultados concretos com esses projetos, o investimento na área aumente. “À medida que avançamos em direção à independência tecnológica em criptografia quântica, ampliamos a competitividade do país no cenário internacional, e, nesse sentido, o projeto pode ser a chave para o país se posicionar de forma mais competitiva no mercado global de ciência quântica”, analisa o físico da UFF.
Avanço brasileiro no cenário internacional
A ideia de implementar redes metropolitanas para explorar a comunicação quântica começou a ganhar forma e teve a primeira tentativa concreta em 2003 nos Estados Unidos. A rede de criptografia quântica utilizou fibras ópticas para conectar a Universidade de Boston à empresa de tecnologia BBN e à Universidade Harvard, ambas em Cambridge, Massachusetts. Esse projeto foi pioneiro mundialmente e funcionou por quatro anos, tornando-se o marco inicial das pesquisas mais profundas nessa área.
Atualmente, a China lidera o investimento em comunicação quântica, com alocações que superam a soma dos investimentos de todos os outros países juntos. O país asiático já estabeleceu diversas redes, incluindo a mais extensa, que conecta quatro áreas metropolitanas — Beijing, Jinan, Hefei e Xangai — através de fibras ópticas e utiliza dois satélites para comunicação com estações terrestres, que, no total, cobrem mais de 4.600 km.
No Brasil, a Rede Rio Quântica, juntamente a iniciativas semelhantes nos estados de São Paulo e Pernambuco, representa os primeiros passos para o desenvolvimento de sistemas de comunicação baseados em qubits e na pesquisa e implementação de tecnologias quânticas no país.
“É fundamental mostrar que somos capazes de desenvolver redes de comunicação quântica, mesmo que inicialmente de forma experimental, pois é um passo fundamental para evidenciarmos nosso potencial nesse campo de pesquisa”, conclui Khoury.
Texto: Comunicação da UFF