O estudo pode prever epidemias. A metodologia de análise de genoma tem maior precisão do que o atual padrão para detecção viral
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Cientistas indianos e brasileiros desenvolveram um método de detecção de análise de águas residuais que antecipa em meses ondas epidêmicas evitando que elas possam se tornar pandemias, afetando vidas e a economia de todo o globo. A Science of the Total Environment, publicação internacional multidisciplinar de ciências naturais voltada para pesquisas inovadoras, publicou o estudo no início de janeiro. O trabalho mostrou que o material genético Delta e Ômicron do Sars-CoV-2 foi detectado em rios da cidade do Rio de Janeiro muito antes dos primeiros casos dessas variantes serem revelados em pacientes no Brasil.
A tecnologia adotada busca encontrar a sequência genômica dos vírus nas águas coletadas de rios, lagos e esgotos. O teste chamado Illumina CovidSeq foi aplicado para identificar as principais variantes. A vigilância de mananciais e esgoto é promissora para a detecção precoce de variantes emergentes que impulsionam ondas pandêmicas, exemplificadas pelas variantes Delta e Ômicron, potencialmente oferecendo uma vantagem preventiva sobre os relatórios de amostras clínicas, como descreve o artigo.
Amostras
Entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2022, os cientistas coletaram 44 amostras uma única vez de águas residuais afluentes e de rios poluídos em diferentes locais no Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. Na Índia, as amostras foram obtidas de quatro cidades diferentes dos estados de Andra Pradexe e Telanganá, entre abril e dezembro de 2022. Na região metropolitana carioca, a coleta ocorreu nos rios Jacaré e Faria Timbó, além do Canal do Cunha, onde eles deságuam.
De acordo com os pesquisadores, o monitoramento genômico de variantes preocupantes (VOCs) do Sars-CoV-2 em águas fluviais e de esgoto tem sido amplamente utilizado como uma ferramenta epidemiológica em todo o mundo. “O trabalho desenvolvido é de grande importância estratégica. Quando há propagação de um vírus no ambiente, seja o da Covid ou de uma gripe, existem indivíduos assintomáticos. Mesmo que a maioria das pessoas não manifeste a doença, elas eliminam partículas virais na urina e nas fezes que vão parar nas redes de saneamento ou águas residuais”, informou um dos autores do artigo, o professor Fabiano Thompson, do Laboratório de Microbiologia do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A análise do sequenciamento genético, embora leve alguns dias, detecta o tipo de vírus de forma mais precisa do que a análise laboratorial, segundo Thompson. “Embora seja mais rápido, com resultados em questão de horas, o exame RT-PCR deu negativo em muitos casos, enquanto o nosso método detectou a presença de covid nas mesmas amostras ambientais”, informou.
De acordo com Thompson, a comparação entre as duas tecnologias demonstrou que o sequenciamento do genoma antecipa em até seis meses a presença de um vírus no ambiente. O cientista lembrou que as empresas de diversos segmentos (energia, alimento, serviço, aviação, entre outras) sofreram grandes perdas na pandemia e se a adoção da técnica de sequenciamento tivesse sido adotada, talvez a pandemia não tivesse feito tantas vítimas. A análise dos dejetos dos aviões anteciparia providências para o controle, já que barreiras naturais foram superadas por voos entre os continentes e países.
Risco com enchentes
Como consequências das mudanças climáticas, é comum a ocorrência de enchentes que levam populações a ter contato com águas contaminadas. A metodologia é um alerta precoce, que permite também às empresas grandes, com milhares de funcionários, monitorar ou estabelecer melhores padrões de controle. Beneficia também os governantes a agir com políticas públicas.
“Seria mais rápido promover o isolamento social de alguns grupos ou optar por alterar o regime de trabalho, presencial ou home-office. Nós podemos fazer um monitoramento e nos preparar melhor comprando insumos de proteção, ou saber as áreas onde há maior incidência do vírus em águas residuais ou calcular melhor como a doença se alastra, em vez de só buscar onde ela começou. São várias empregabilidades”, concluiu Fabiano Thompson.
O estudo contou com a participação do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e do Instituto Gonçalo Moniz, na Bahia (ambos da Fiocruz), das universidades estaduais do Amazonas e do Norte Fluminense (UEA e Uenf), da University College of Engineering, Science & Technology Hyderabad (Ucesth) e apoio financeiro do CNPq, da Capes, das fundações de amparo e pesquisa do Rio e do Amazonas (Faperj e Fapeam), Fundação Rockefeller e Japan International Cooperation Agency (Jica).
Texto: Sidney Rodrigues Coutinho/UFRJ