A proposta feita por vereador bolsonarista é contestada duramente pela Igreja Católica e confronta a proibição de retirada de pessoas em situação de rua, que já decidida pelo STF e passou a ser norma em todo o Brasil
Um total de nove vereadores conservadores de Vitória (ES), incluindo o autor, o bolsonarista Luiz Emanuel Zouain (Republicanos), já se apresentaram como favoráveis ao projeto de lei 57/2023, que prevê a “higienização social” das praças da Capital do Espírito Santo, com o intuito de dar a falsa impressão de que não existe moradores de rua nessa cidade. O posicionamento foi nas Comissões da Câmara. Neste último domingo (10), o projeto de “higienização social forçada” foi duramente combatido pelo arcebispo metropolitano de Vitória, Dom Dário Campos, em nota oficial publica no portal da Arquidiocese de Vitória.
O projeto, que deverá ser votado nesta quarta-feira (13), segundo agendamento feito pelo presidente da Câmara de Vereadores de Vitória, vereador Leandro Piquet (PP), confronta decisão do ministro Alexandre de Moraes de 25 de julho do ano passado, ao analisar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976. A ação foi protocolada pelos partidos PSOL e Rede de Sustentabilidade. E também vai de encontro a decisão do Plenário do STF, que proíbe higienização social forçada.
Alexandre de Moraes acatou o seguinte pedido de remoção de pessoas em situação de rua de praças públicas, feito pelo PSOL e Rede:
- x) a proibição do recolhimento forçado de bens e pertences, da remoção e do transporte compulsório e do emprego de técnicas de arquitetura hostil contra as populações em situação de rua;
Na sua decisão, Alexandre de Moraes fez a seguinte citação:
- “Nesse sentido, cito o depoimento de Fernanda Penteado Balera, Coordenadora Auxiliar do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo: O que se nota é que, expressando em um profundo desprezo por seres humanos em situação de extrema pobreza, num lamentável misto de higienismo social com aporofobia, os agentes públicos subtraem e destroem os poucos bens e pertences das pessoas; documentos pessoais e receitas médicas são destruídos. As pessoas não são informadas da destinação dos seus bens, nem tampouco o que precisam fazer para reavê-los.”
E o ministro do STF reforçou em sua decisão, fazendo a seguinte determinação:
- “Aos PODERES EXECUTIVOS MUNICIPAIS E DISTRITAL (grafia original em com letras maiúsculas), bem como onde houver atuação, aos PODERES EXECUTIVOS FEDERAL E ESTADUAIS que, no âmbito de suas zeladorias urbanas e nos abrigos de suas respectivas responsabilidades:
- II.1) Efetivem medidas que garantam a segurança pessoal e dos bens das pessoas em situação de rua dentro dos abrigos institucionais existentes;
- II. 2) Disponibilizem o apoio das vigilâncias sanitárias para garantir abrigo aos animais de pessoas em situação de rua;
- II.3) Proíbam o recolhimento forçado de bens e pertences, assim como a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua;
- II.4) Vedem o emprego de técnicas de arquitetura hostil contra as populações em situação de rua, bem como efetivem o levantamento das barreiras e equipamentos que dificultam o acesso a políticas e serviços públicos, assim como mecanismos para superá-las;”
Parecer do MPF
No mesmo processo que contém a ADPF 976, o procurador-Geral da República, Paulo Gonet Branco, deu o seu parecer favorável à solicitação do PSOL e do Rede e ainda se recordou da ADPF 828, protocolada pelo PSOL. Nessa ADPF, o Partido Socialismo e Liberdade faz a seguinte denúncia na ocasião em que o Brasil passava pela pandemia do Covid-19:
- “Muitas vezes sem qualquer notificação prévia ou possibilidade de defesa administrativa e judicial, e com grande aparato logístico e repressivo (servidores, policiais e agentes públicos), os governos continuam a desalojar famílias no período mais gravoso da pandemia, num total desrespeito à condição humana e aos direitos de saúde e moradia. Para que se cessem os descumprimentos à ordem constitucional imediata e uniformemente, urge que haja uma determinação geral e coordenada por este STF, com efeitos nacionais e até se deixem de surtir os efeitos da crise sanitária, social e de saúde do Brasil.”
Paulo Gonet ainda narra em sua abordagem à ADPF 976 o que o PSOL argumentou em seu pedido anterior junto ao STF:
- “O efetivo acesso ao bem jurídico-fundamental moradia é também objeto de discussão na ADPF n. 828/DF (rel. o Ministro Roberto Barroso), ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, que tem por objeto “atos do Poder Público relativos à desocupações, despejos e reintegrações de posse, a fim de evitar e reparar lesão a preceitos fundamentais relativos ao direito social à saúde (…), o direito fundamental à vida (…), o fundamento da República Federativa do Brasil de dignidade humana (…); o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade justa e solidária (…), e o direito fundamental à moradia”.
Plenário do STF votou a favor do ministro Alexandre de Moraes
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para confirmar a decisão do ministro Alexandre de Moraes que proibiu em liminar, que os Estados, o Distrito Federal e os municípios façam a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua às zeladorias urbanas e aos abrigos.
A decisão também veda o recolhimento forçado de bens e pertences desse público, bem como o emprego de técnicas de arquitetura hostil, com o objetivo de impedir a permanência dessas pessoas, por exemplo, com a instalação de barras em bancos de praças, pedras pontiagudas e espetos em espaços públicos livres, como em viadutos, pontes e marquises de prédios.
O que disse o arcebispo metropolitano de Vitória em sua nota oficial
- ARQUIDIOCESE DE VITÓRIA DO ESPÍRÍTO SANTO – BRASIL
- Nota oficial
- A Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo, por meio de seu arcebispo metropolitano, Dom Dario Campos, vem a público expressar veemente rejeição ao projeto de lei em tramitação na Câmara Municipal de Vitória, PL 57/2023, o qual visa impedir a presença de pessoas – especialmente as mais vulneráveis – nos espaços públicos da cidade, impondo-lhes sanções e penalidades.
- Esse projeto representa uma afronta direta aos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal. A proposta ignora o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento maior da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III, CF), ao tratar como infração a simples presença de pessoas em espaços públicos. O direito de ir e vir, também consagrado no art. 5º, inciso XV da Constituição, não pode ser restringido arbitrariamente, sobretudo quando tal restrição se baseia na condição econômica e social dos cidadãos. Criminalizar a pobreza e privar os mais vulneráveis do direito a ocupar os espaços públicos constitui não apenas uma ofensa legal, mas também uma grave violação ética.
- O projeto contraria, ainda, o princípio da função social dos espaços urbanos, previsto no art. 182 da Constituição, que orienta a política urbana em prol do bem-estar coletivo e da justiça social. Vitória, cidade que deveria zelar pela inclusão e pelo acolhimento, não pode ceder a práticas higienistas que, ao invés de promover soluções dignas, reforçam a marginalização e o preconceito.
- Do ponto de vista cristão, repudiamos a iniciativa, pois ela vai contra o Evangelho de Jesus Cristo, que sempre se fez próximo dos marginalizados e oprimidos. Jesus nasceu pobre, caminhou entre os pobres, acolheu os desamparados e nos ensinou a prática do amor e da misericórdia. Como Igreja, não podemos aceitar que a exclusão e a estigmatização de nossos irmãos e irmãs em situação de rua sejam institucionalizadas. O exemplo de São Francisco de Assis, que dedicou sua vida ao serviço dos pobres, é um modelo que nos inspira a lutar contra toda forma de exclusão.
- Às vésperas do Dia Mundial dos Pobres, celebrado em 17 de novembro – instituído pelo Papa Francisco no ano de 2017 para chamar atenção da Igreja e da sociedade para a realidade das pessoas mais vulneráveis – é ainda mais chocante testemunhar uma proposta que promove a exclusão social e despreza os princípios de fraternidade e solidariedade. Esse projeto é um retrocesso que ofende tanto o arcabouço jurídico nacional quanto os valores cristãos e éticos que sustentam a dignidade humana.
- Convocamos os legisladores e a sociedade a rejeitarem esse projeto e a se unirem em defesa de uma cidade mais justa e inclusiva. Que Vitória seja uma cidade de acolhimento e de respeito à dignidade de cada pessoa humana, onde todos possam viver com dignidade e respeito.
- Vitória, ES, 09 de novembro de 2024.
- Dom Dario Campos, OFM
- Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo
Comissões da Câmara de Vitória insistiram na confrontação ao STF
As comissões da Câmara de Vitória votaram ideologicamente. A Comissão de Constituição e Justiça; que tem um vereador que declarou para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como sendo advogado, o vereador bolsonarista reeleito Davi Esmael Menezes de Almeida (Republicanos), votou a favor da higienização. O mesmo ocorreu com o
Vereador Antônio Eduardo Oliveira Santos, o Duda Brasil (PRD), que declarou ao TSE ter como profissão “Outros”, com nível de escolaridade “superior Incompleto” foi outro a favor da higienização. O terceiro componente da Comissão de Constituição e Justiça e que também foi a favor da higienização social, foi o vereador reeleito Leonardo Monjardim (Novo), que se declarou ao TSE ser empresário, ser solteiro e ter curso superior completo.
A Comissão de Saúde e de Assistência Social da Câmara de Vitória teve apenas o voto contrário do vereador e advogado André Moreira (PSOL). Votaram a favor da higienização: O vereador e comerciante André Brandino Pego (Podemos), que segundo o TSE tem nível de escolaridade de ensino médio completo. O músico Francisco Hosquem Pires (Podemos) e o mesmo Antônio Eduardo Oliveira Santos, o Duda Brasil da comissão anterior.
PSB também foi a favor da higienização social
Na Comissão de Direitos Humanos, Cidadania até o representante do Partido Socialista Brasileiro, o PSB, o vereador reeleito e servidor público municipal licenciado, Aloiso Varejão, votou a favor da higienização social e de aplicação de penalidades nas pessoas desfavorecidas, que estão morando nas praças de Vitória. Outro favorável à punição às pessoas pobres foi o vereador e comerciante André Brandino, o mesmo da Comissão de Saúde e de Assistência Social.
O vereador Davi Esmael também repetiu nessa mesma Comissão o voto favorável à higienização social que havia dado na Comissão de Constituição e Justiça. Os únicos votos contrários nessa Comissão foram dos vereadores André Moreira e Karla Coser (PT). A Comissão de Segurança Pública também teve só dois votos contrários, o de Karla Coser e André Moreira.
Já os outros três componentes dessa Comissão de Segurança Pública foram a favor da limpeza social, o mesmo vereador do Partido Socialista Brasileiro, Aloisio Varejão, e o do Podemos André Brandino Pego e o vereador-empresário Leonardo Monjardim (Novo).
Saiba quais são os vereadores a favor da higienização social em Vitória:
Os favoráveis à punição contra as pessoas pobres que ficam em praças:
.1) Aloísio Varejão (PSB)
.2) André Brandino (Podemos)
.3) Davi Esmael (Republicanos)
.4) Duda Brasil (União Brasil)
.5) Anderson Goggi (PP)
.7) Luiz Emanuel (Reçpublicanos
.8) Luiz Paulo Amorim (Solidariedade)
.9) Dalto Neves (PDT)
Abstenção:
1) Chico Hosken (Podemos)
Saiba quais são os vereadores contra a higienização social:
Os que são contrários nas comissões à punição de pobres em praça pública:
.1) André Moreira (PSOL)
.2) Karla Coser (PT)
O que diz o projeto de higienização social forçada:
- PL 57/2023
- Dispõe sobre o uso adequado das praças e vias públicas de Vitória e garante segurança nesses locais.
- Art. 1º É vedada a ocupação, por qualquer pessoa para fins de moradia e quaisquer atividades habituais, providas de assistência social, nos logradouros públicos situados no município de Vitória.
- § 1º Considera-se atividades habituais, todas aquelas congregadas ao cotidiano humano, tais como, culinária, higienização e necessidades fisiológicas, dentre outras que incorrem na constante usurpação dos bens públicos de uso comum do povo e na liberdade, tranquilidade e vida privada da população.
- § 2º Considera-se assistência social, qualquer mecanismo propício a ressocializar as pessoas, de forma que estas não se encontrem em posição de marginalidade e tampouco se sujeitem a praticar infortúnios aos(às) demais munícipes, a contemplar abrigos para moradia, tais quais munidos de condições de habitação, alimentação, higienização, dentre todos os recursos essenciais para a subsistência humana.
- Art. 2º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas nas Leis 8.696, de 29 de julho de 2014 e 6.080, de 29 de dezembro de 2003, quando couber, o infrator é obrigado, a indenizar ou recuperar os danos causados ao meio ambiente e aos bens de uso comum do povo, afetados por sua atividade.
- Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
- Palácio Atílio Vivacqua, data 27 de março de 2023.
- Luiz Emanuel Zouain da Rocha
- Vereador