O projeto das deputadas Camila Valadão (PSOL) e Iriny Lopes (PT), que quer proibir uso de drones agrícolas despejando agrotóxicos, está em sintonia com os países do primeiro mundo. No entanto, em defesa do agronegócio, políticos conservadores capixabas são contra
A completa falta de legislação estadual regulamentando os abusos praticados em propriedades rurais no Espírito Santo, com o uso de drones agrícolas, levou as deputadas estaduais Camila Valadão (PSOL) e Iriny Lopes (PT) a formularem conjuntamente o Projeto de Lei 828/2023. “Acrescenta o art. 8ª-A a Lei nº 5.760, de 1º de dezembro de 1998, a fim de proibir a aplicação aérea de agrotóxicos no Estado do Espírito Santo, e dá outras providências”, resume a inicial da proposta.
O projeto, sintonizado com o que ocorre nos países do primeiro mundo, foi idealizado, segundo a justificativa das duas deputadas, porque “a aplicação aérea de agrotóxicos é amplamente reconhecida por sua influência negativa na saúde dos trabalhadores rurais e das comunidades vizinhas, prejudicando a saúde da comunidade, as hortas comunitárias, as áreas de agricultura familiar que produzem orgânicos ou segmentos agroecológicos, além de afetar os ecossistemas locais e regionais.”
Mas, a preocupação com as vidas dos trabalhadores rurais e dos moradores das proximidades, onde os venenos serão despejados ao ar livre através de drones, desagradou os políticos capixabas que tem apoio financeiro do agronegócio.
“Eu gostaria de me manifestar publicamente contrário à proibição do uso de drone na pulverização aérea no Espírito Santo. Nós sabemos que as pulverizações aéreas de inseticidas, de adubo foliar, geram economia de tempo, de recurso, além de padronização no serviço dentro da área marcada”, disse um deputado estadual bolsonarista, que tem patente de coronel da Polícia Militar do Espírito Santo.
Preocupação é com a saúde dos trabalhadores e vizinhos, dizem deputadas
No entanto, a preocupação das deputadas não é com o dinheiro que os empresários do agronegócio possam perder, com a redução do uso de agrotóxicos. “ É com a saúde dos trabalhadores rurais e com as comunidades vizinhas. “Tal método de aplicação é responsável por despejar grandes quantidades de veneno nas lavouras e contaminar o solo e os corpos d’água, bem como as pessoas que vierem a ser alcançadas pela chuva decorrente dessas águas, acarretando graves problemas de saúde”, argumentam as autoras na justificativa do projeto.
“São verdadeiros coquetéis de veneno lançados no ar a uma velocidade entre 120 km/h e 250 km/h, podendo atingir áreas superiores a 10 km de distância de onde foi lançado. É, portanto, inconciliável com a coexistência harmônica a cultivos orgânicos e agroecológicos de alimentos, com isso, a prática inviabiliza sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis”, dizem Camila Valadão e Iriny Lopes na justificativa do projeto.
Aspirar agrotóxicos traz inúmeras doenças e até a morte
Em maio último, o Ministério Público do Trabalho (MPT) participou de um debate na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, sob o tema, “Os efeitos prejudiciais da pulverização área de agrotóxicos e as violações de direitos humanos à saúde, alimentação e meio ambiente no país.” Os debatedores destacaram que os agrotóxicos podem causar vários tipos de câncer, distúrbios hormonais, infertilidade, depressão, problemas respiratórios ou até levar à morte.
Nessa oportunidade,o representante do MPT, procurador Leomar Daroncho, disse “é lícito o uso de agrotóxico desde que se observe” os tratados internacionais, a Constituição, a legislação, as normas regulamentadoras e a bula com os requisitos técnicos. Mas acrescentou: “uma coisa importante quando a gente fala de normas, nós temos vários mitos e um deles é o mito do uso seguro. Não existe a possibilidade de usar agrotóxico de forma segura, isso é um mito.”
Pedro Serafim ressaltou naquela audiência que a pulverização de agrotóxicos por avião ou drone faz lembrar à estratégia de guerra usada no Vietnã, onde, indiscriminadamente, as pessoas e o meio ambiente foram atingidos pelo ‘Agente Laranja’, que até hoje deixa sequelas em muitas vidas, significando isso grave desrespeito a diversos direitos humanos. Segundo ele, o princípio ativo do Agente Laranja ainda hoje é usado em alguns agrotóxicos aplicados no Brasil.
O suprocurador-geral disse que, infelizmente, comunidades tradicionais, indígenas e trabalhadores da agricultura familiar vêm tendo suas plantações atingidas e prejudicadas por pulverizações aéreas em diversas regiões do Brasil, significando também desrespeito ao direito de usar a terra e à dignidade das pessoas. Mencionou que a União Europeia e outros países fora do bloco já proibiram a pulverização aérea, alguns permitindo apenas em casos excepcionais, após se observar vários procedimentos acautelatórios de proteção às pessoas e ao meio ambiente.
Vice-governador do ES quer uso de drones agrícolas sem controle
No entanto, contrário à preocupação do MPT e das deputadas com a saúde dos trabalhadores e da população vizinha, em se contaminar com o excesso de agrotóxicos dispersados através de drones, o vice-governador do Espírito Santo, Ricardo Ferraço (eleito pelo PSDB e atualmente no MDB), se mostrou contra à regulamentação do uso de drones no setor agrícola.
“São razões para lá de óbvias. A ciência, a tecnologia, a inovação, a produtividade, tudo tudo isso que está ao nosso lado, ao lado da agricultura capixaba. E não é possível que vozes isoladas, como essas, queiram trazer para o agro capixaba o negacionismo. Não a esse projeto, que vai representar o retrocesso na agricultura do nosso Estado”, disse o político conservador, que foi eleito em 2022 pelo PSDB e que teve o PT e o PSOL fazendo campanha para sua eleição no segundo turno.
O que diz a Human Rights Watch
A ONG internacional Human Rights Watch publicou no inicio da expansão de uso de drones para pulverização agrícola um estudo intitulado “Você não quer mais respirar veneno”. No documento diz que em muitos casos, não há legislação nacional, estadual ou municipal que proteja as pessoas da deriva de agrotóxicos.
Não existe, no Brasil, uma regulamentação nacional que estabeleça uma zona de segurança em torno de locais sensíveis onde a pulverização terrestre de agrotóxicos seja proibida; e a maioria dos estados tampouco possui uma lei desse tipo reforçou a instituição internacional. A ONG constatou que, mesmo nos poucos estados que estipulam zonas de segurança para a pulverização terrestre, essas regras são frequentemente desrespeitadas.
Há um regulamento nacional brasileiro que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos a 500 metros de povoações, cidades, vilas, bairros e mananciais de água,lembrou. Porém, assim como ocorre com as zonas de segurança para pulverização terrestre em nível estadual, essa regulamentação não é observada de forma consistente.
Intoxicação por agrotóxicos não chama atenção dos legisladores
De modo geral, diz a Human Rights Watch, a intoxicação aguda por agrotóxicos e a exposição crônica não chamam a atenção do público em geral e dos formuladores de políticas públicas do Brasil. Uma das razões mais perversas para essa invisibilidade é o medo que muitos membros de comunidades rurais sentem de represálias por parte de grandes proprietários de terra.
Foi lembrado que em 2010, um agricultor rural brasileiro e ativista contra o uso de agrotóxicos foi morto a tiros após pressionar o governo local a proibir a pulverização aérea naquele ano. No decorrer da investigação para este relatório, ameaças ou medo de retaliação foram mencionados em cinco dos sete locais visitados.
O Brasil precisa urgentemente adotar medidas para limitar a exposição a agrotóxicos que são prejudiciais à saúde humana, conclama a ONG. As autoridades brasileiras devem conduzir um estudo detalhado e imediato sobre os impactos à saúde e ao meio ambiente do atual tratamento dispensado aos agrotóxicos. Até concluir esse estudo, o Brasil deve impor uma suspensão à pulverização aérea, além de impor e] assegurar uma proibição imediata à pulverização terrestre próxima a locais sensíveis.
Governo simplifica regras para uso de drones nas lavouras
No inicio de maio deste ano a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) emitiu um comunicado à imprensa, onde informa que decidiu pela simplificação das regras para drones utilizados em operações aeroagrícolas, como na dispersão de sementes, fertilizantes e espalhar agrotóxicos sobre as lavouras, por exemplo.
Segundo a Anac, “As novas definições dão maior liberdade para esse tipo de operação – tendo em vista suas características específicas –, que deve ocorrer sobre áreas desabitadas, com consentimento do proprietário ou explorador da área. Comemorando a facilitação do uso de drones para arremessar agrotóxicos de forma aérea, a Anac completou: “Processo de simplificação do normativo se inclui no contexto de melhoria regulatória, base do programa Voo Simples e que vem norteando as ações da Anac, observadas as necessidades da preservação dos índices de segurança do setor aéreo.”
Serviço:
Para acompanhar a tramitação do PL 828/2023, clique aqui.