A medida tinha sido abolida pelo Governo estadual, que não quer reconhecer lei municipal de Vitória, em pleno vigor, e que já concedia essa gratuidade antes da fusão dos ônibus municipais com o sistema Transcol
Vereadores de Vitória (ES) e deputados estaduais prometeram e não cumpriram a proposta de fazer valer a lei municipal da Capital capixaba 8.144/2011, que concede gratuidade nos ônibus urbanos para segmentos da sociedade, como os portadores de HIV. Foi preciso o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) acionar a Justiça e obter uma decisão liminar que dá essa garantia. Agora, todos os beneficiados que foram prejudicados devem reivindicar o direito, que foi retirado quando da anexação dos ônibus de Vitória ao sistema Transcol.
O juiz de Direito da 5ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde, Ubirajara Paixão Pinheiro, ao analisar a Ação Civil Pública requerida pelo MPES, através do Processo Nº 5022940-31.2022.8.08.0024, foi quem deu de volta o direito que vem sendo negado pelo atual Governo estadual, através da Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória (Ceturb-GV). A lei está em vigor em Vitória e não há motivos da Ceturb continuar insistindo em se negar a cumprir a legislação municipal.
Direito da gratuidade está em vigor e não pode ser negado, avisa MPES
O MPES lembra que a decisão liminar está valendo, mesmo o processo ainda esteja pendente de ser julgado definitivamente e a Ceturb e o Sindicato das Empresas de Transporte Metropolitano da Grande Vitória (GVBus) estão obrigados a acatar a ordem judicial. O Ministério Público adverte que, caso os usuários que tenham direito e não consigam acessar o serviço, devem informar imediatamente ao Ministério Público para que a decisão seja efetivada.
A gratuidade é aplicada apenas munícipes de Vitória soropositivos (pessoas vivendo com HIV/Aids), quando utilizado o transporte para fins específicos de tratamento, devidamente comprovado, ou seja, estão excluídas outras atividades, desde que o munícipe também venha a preencher todos os requisitos da legislação pertinente (Lei municipal nº 8.144/2011), bem como atenda à hipossuficiência financeira prevista no art.7°, da LC estadual nº 213/2001.
Íntegra da decisão judicial
“É o relatório. DECIDO sobre o pedido de tutela antecipada.
Na sistemática processual vigente, a concessão da tutela, em sede liminar, deve preencher os requisitos do artigo 300 do CPC/15. Assim, exige-se que haja perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo e que haja elementos que evidenciem a probabilidade do direito cujo reconhecimento se pretende.
Pois bem.
Analisando os elementos constantes destes autos, verifico que o cerne da questão posta em julgamento, cinge em aferir se é cabível a concessão do benefício da gratuidade do transporte público coletivo às pessoas soropositivos e com doenças crônicas, às custas do MUNICÍPIO DE VITÓRIA, em especial aos seus munícipes que façam jus aos requisitos discriminados pela Lei Municipal nº 8.144/2011 e a hipossuficiência prevista na Lei Complementar Estadual nº 213/2001.
Quanto a isenção tarifária nos transportes públicos, há previsão expressa no artigo 229, da Constituição Estadual, estatuindo que esta se destina as pessoas maiores de sessenta e cinco anos e às pessoas com deficiência. Os entes federados, por sua vez, possuem legislações próprias, dentro de suas competências, disciplinando a matéria.
No Município de Vitória, a benesse é prevista na Lei Municipal nº 8.144/2011, a qual assegura a gratuidade de transporte público para os portadores de HIV e doenças crônicas, senão vejamos:
“Art. 1º Obriga o Município de Vitória a assegurar aos portadores do vírus HIV e doenças crônicas, a gratuidade no uso do Transporte Coletivo Municipal de Passageiros, através da concessão de vale-transporte, para fins de tratamento devidamente comprovado.
§ 1º Dar-se-á por efetiva a comprovação com a apresentação do laudo médico. § 2º Os contemplados que desejarem os benefícios desta Lei será cadastrado na SETRAN – Secretaria de Transportes e receberão um cartão eletrônico e/ou instrumento que lhes possibilite o exercício do direito.
Art. 2º As empresas operadoras terão um prazo de 120 (cento e vinte) dias para adequação e cumprimento.
Art. 3º Compete a Secretaria de Transporte o controle sobre a emissão, distribuição e utilização.
Parágrafo único. A necessidade permanente ou temporária será aferida conforme laudo para a finalidade da concessão do benefício.
Art. 4º As despesas decorrentes da execução da presente Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
De uma simples leitura da legislação municipal supracitada, vê-se que o Município de Vitória garantiu a gratuidade de transporte público coletivo, para os munícipes portadores de HIV. Desse modo, mesmo que não esteja mais gerenciando o transporte público, o Município de Vitória tem a obrigatoriedade de custear aos seus munícipes, portadores de HIV e doenças crônicas, em razão da execução da citada lei.
Por outro lado, a norma estadual, qual seja LC nº 213/2001 não estendeu o benefício da gratuidade em questão para os portadores de HIV, mas apenas aos portadores de doença crônica. Vejamos:
Art. 3º É considerada pessoa portadora de deficiência para efeito dos benefícios de que trata esta Lei, a que se enquadra nas seguintes categorias:
I – Deficiência Física – Alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisa cerebral, fissura lábio-palatal que repercuta de maneira grave sobre a alimentação, respiração, socialização e desenvolvimento da fala e da voz, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzem dificuldades para o desempenho de funções;
II – Doenças Mental: Distúrbios neurológicos ou psíquicos, transtornos mentais, esquizofrenias crônicas, demências senil e arteriosclerótica, oligofrenias graves e profundas, que necessitam de tratamento ambulatorial e/ou atenção diária na rede de saúde e/ou educação;
III – Deficiência mental: funcionamento intelectual significativamente inferior à média e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
a) comunicação;
b) cuidado pessoal;
c) habilidades sociais;
d) utilização da comunidade;
e) saúde e segurança;
f) habilidades acadêmicas;
g) trabalho;
h) lazer;
IV – Deficiência Visual: o portador de cegueira total ou com capacidade visual de, no máximo, 30% (trinta por cento) após correção máxima, em ambos os olhos, necessitando do método Braille e/ou outros métodos como meio de leitura e escrita, atestado ou declaração, de oftalmologista baseado na tabela SNELLEN;
V – Deficiência Auditiva: perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis, apresentando audição somente acima de 40 (quarenta) decibéis, impedindo o entendimento da voz humana, com ou sem aparelho auditivo, comprovado por exames médicos, realizados por serviço da rede pública;
VI – Deficiência Renal Crônica: é a perda total do funcionamento dos rins e que necessita de procedimentos dialíticos para manutenção do seu equilíbrio hidroeletrolítico e da escória nitrogenada;
VII – Ostomizado: é aquele que sofreu intervenção cirúrgica, chamada ostomia, que permite criar uma comunicação entre o órgão interno e o exterior com a finalidade de eliminar os dejetos do organismo e que necessita do uso de bolsa aderida ao abdome.
VIII – Obesidade Mórbida: é pessoa que possui um IMC (Índice de Massa Corpórea) igual ou maior a 40 kg/m2;
IX – Deficiência Múltipla: associação de duas ou mais deficiências descritas nos incisos I, II, III, IV, V,
VI, VII e VIII deste artigo.”
Assim, da exegese da legislação estadual supracitada, verifico que não é possível impor a CETURB a concessão de gratuidade de transporte público, em favor dos portadores de HIV, ante a ausência de regulamentação legislativa. À luz da Constituição Estadual, observo que não existe imposição de gratuidade dos transportes coletivos urbanos a todos portadores de quaisquer doenças ou deficiências (artigo 229 CE). Portanto, as hipóteses específicas, no que se refere a isenção tarifária no âmbito estadual será regulamentada pela legislação local, aqui representada pela Lei Complementar nº 213/2001, a qual convenhamos não incluiu como deficiência os portadores de HIV.
Desse modo, como apenas a legislação municipal de Vitória é que dispõe acerca da gratuidade dos portadores de HIV, entendo que apenas o Ente Municipal referido tem a
obrigação de custear, aos seus munícipes, a gratuidade de transporte público coletivo, para fins de tratamento devidamente comprovado e que preencham todos os requisitos, bem como a hipossuficiência financeira prevista no art. 7°, da LC 213/2001.
Acresça-se a isso que, quanto aos portadores de doenças crônicas, tal benesse já está devidamente regulamentada na LC nº 213/2001, tendo a CETURB informado que a tem cumprido integralmente.
Ante o exposto, verificando que se encontram presentes os requisitos para o deferimento do pleito antecipatório, porém, segundo entendo, na forma parcial, é que DEFIRO PARCIALMENTE a tutela de urgência pleiteada para DETERMINAR que o MUNICÍPIO DE VITÓRIA arque com os custos inerentes ao transporte público coletivo, em favor dos seus munícipes soropositivos (portadores de HIV), quando utilizado o transporte para fins específicos de tratamento, devidamente comprovado, desde que o munícipe também venha a preencher todos os requisitos da legislação pertinente (Lei municipal nº 8.144/2011), bem como atenda à hipossuficiência financeira prevista no art. 7°, da LC estadual nº 213/2001.
INTIMEM-SE todos deste decisum
Tendo em vista que a CETURB já apresentou contestação, CITE-SE apenas o Município de Vitória.
Após, ouça-se o MP em réplica.
No que couber, cumpra-se a presente decisão como mandado/ofício.
Diligencie-se.
Vitória/ES, 7 de março de 2022.
UBIRAJARA PAIXÃO PINHEIRO
JUIZ DE DIREITO”
Liminar-gratuidade-no-transporte-HIV