Relatório preliminar da ONU sobre formas contemporâneas de racismo apontou necessidade de acelerar medidas de justiça, igualdade e reparação; levantamento aponta riscos trazidos por extremismo de direita na disseminação de ódio e intolerância; especialista pediu também urgência na resposta ao racismo ambiental, que tem como uma manifestação a invasão de terras indígenas e quilombolas
Após concluir visita ao Brasil, a relatora especial da ONU sobre formas contemporâneas de racismo disse que o país precisa de ações transformadoras para acabar com o racismo sistêmico. Em coletiva de imprensa, Ashwini K.P, disse que pessoas afrodescendentes, povos indígenas, comunidades quilombolas, pessoas romanis, também conhecidas como ciganas, e outros grupos étnicos e raciais marginalizados no Brasil são afetadas.
De acordo com ela, esses grupos continuam vivenciando “manifestações multifacetadas, profundamente interconectadas e difundidas de racismo sistêmico, como legados do colonialismo e escravidão”.
Neonazistas brasileiros
A relatora especial também disse estar “chocada por saber da presença de grupos neonazistas disseminando discurso e crimes de ódio”. Ela disse estar preocupada com relatos de islamofobia direcionados a migrantes, incluindo pessoas refugiadas e solicitantes de asilo, particularmente em Santa Catarina.
Ashwini disse que o crescimento de células neonazistas nos estados do sul do Brasil e outras formas de extremismo de direita são “impulsionadores perigosos de formas contemporâneas de racismo e outras formas semelhantes de ódio e intolerância”. A especialista fez um apelo para o Brasil para “intensificar os esforços para abordar essas tendências perturbadoras”.
Espera longa demais
A relatora disse que o racismo sistêmico tem perdurado desde a formação do Estado brasileiro, apesar dos esforços contínuos e corajosos de incidência de grupos étnicos e raciais marginalizados. A especialista da ONU elogiou o Brasil por reconhecer a discriminação racial como um fenômeno sistêmico e por adotar políticas e leis robustas para prevenção.
No entanto, a relatora disse que “apesar de tais esforços, as vidas das pessoas afrodescendentes, indígenas, quilombolas e romanis são frequentemente marcadas, em muitos casos de forma irreparável, pela violência racial endêmica e pela exclusão.”
Para Ashwini, “pessoas de grupos raciais e étnicos marginalizados já esperaram tempo demais por justiça e igualdade”, ressaltando que muitas vidas dependem de ações “mais ousadas e imediatas”. Na avaliação dela, o progresso em questões chave de justiça racial tem sido lento.
Racismo ambiental
A relatora da ONU disse que a invasão de terras indígenas e quilombolas é uma das manifestações do racismo sistêmico e prejudica o direito de acesso a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável para todas as pessoas.
Segundo ela, a degradação ambiental, poluição e extração de recursos naturais que ocorrem após a invasão de terras de povos tradicionais expõem as comunidades à pesticidas nocivos, envenenamento por mercúrio e doenças infecciosas.
Ashwini disse que em diversas reuniões que participou ficou evidente que a “falta de demarcação e titulação de terras” para esses grupos está impulsionando ataques contínuos em seus territórios por atores estatais e não estatais. Além disso, ela destacou que a falta de proteção dessas terras contribui para a violência contra as mulheres indígenas e quilombolas, “incluindo feminicídio e estupro”.
A relatora da ONU disse ainda que os impactos do estupro na vida de mulheres de grupos raciais e étnicos marginalizados pode ser exacerbado pela falta de acesso adequado aos direitos de saúde reprodutiva, particularmente o direito ao aborto seguro e legal.
Ashwini destacou a importância de um plano de ação coordenado para combater urgentemente o racismo ambiental e disse que o Brasil pode aproveitar as negociações da Conferência da ONU sobre Mudança Climática, COP30, que serão realizadas em Belém, no Pará, em 2025, para demonstrar liderança nesse sentido.
Recomendações para o Brasil
A especialista esteve em visita oficial ao Brasil entre 5 e 16 de agosto de 2024 a convite do governo. Ela viajou para Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro. Nesses locais realizou reuniões com setores governamentais e comunidades que sofrem discriminação, além de mais de 120 representantes da sociedade civil que trabalham com racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância.
Nesta avaliação preliminar, a relatora especial insistiu que o governo brasileiro reconheça, enfrente e repare “causas profundas, fatores históricos e desequilíbrios geográficos” no combate ao racismo e às “estruturas de poder subjacentes”, usando uma abordagem de justiça reparatória.
Ela também insistiu que o Brasil dedicasse significativamente mais recursos para esforços de combate à discriminação racial, para “acelerar o ritmo de mudança”. A relatora especial apresentará um relatório final sobre sua visita, incluindo observações e recomendações, para o Conselho de Direitos Humanos da ONU em junho de 2025.