O relatório final sobre o cenário atual do país após inúmeros retrocessos e desmontes de Bolsonaro em seu governo foi apresentado pelo então Gabinete de Transição ao presidente Lula no final de dezembro último. Produzido por 32 grupos técnicos temáticos, coordenado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e por Aloizio Mercadante, o documento entrega um diagnóstico do país para que haja uma reconstrução após a devastação cometida pelo governo bolsonarista. Para ler a íntegra do relatório é só clicar neste link.
Durante o evento de entrega do relatório final, Alckmin destacou graves retrocessos na educação como o corte no orçamento da merenda escolar e o colapso enfrentado pelas universidades e institutos federais do país; “A aprendizagem diminuiu, a evasão escolar aumentou. Os recursos para essenciais, como merenda escolar, ficaram congelados em R$ 0,36, e tivemos quase um colapso dos institutos e das universidades”.
Sobre a saúde, o vice-presidente enfatizou a má gestão de Bolsonaro, a perda de protagonismo do Brasil na vacinação contra a poliomielite e sobre o alto índice de mortes por Covid-19 durante a pandemia. “50% não tomaram dose de reforço de poliomielite. Poliomielite mata e deixa sequela. Aliás, três coisas mudaram o mundo: água tratada, vacina e antibiótico. Há um grande desafio pela frente na saúde. A má condução da saúde fez com que o brasil tendo 2,7% da população mundial tivesse quase 11% das mortes por Covid, nessa pandemia mundial. Fico feliz, como médico, de ver que na PEC Social, a PEC da vida, os recursos mais expressivos estão na área de saúde”.
Armas e feminicídio
Em relação à segurança pública, Alckmin ressaltou que a política armamentista de Bolsonaro pode ter relação com o aumento do feminicídio. “A distribuição absurda de armas na mão das pessoas levou infelizmente a um recorde de morte de mulheres, o feminicídio. Tivemos em seis meses 700 mortes feminicídio e por arma de fogo”, lembrou.
Ele também elencou os desmontes na cultura do Brasil, com perda de queda de 90% de recursos; falou sobre a baixa nos repasses em programas de habitação e construção de moradias populares para pessoas de baixa renda; e ainda sobre o recorde no número de desmatamento na Amazônia, que aumentou 59% entre 2019 e 2022. “Infelizmente nós tivemos um retrocesso em muitas áreas. O governo federal andou para trás. Então, o estado que o presidente Lula recebe é muito mais difícil e muito mais triste do que anteriormente”.
Lula: “Não pretendo fazer pirotecnia com o relatório”
Naquela ocasião, o presidente Lula enfatizou que não pretendia fazer pirotecnia com o relatório final entregue, e que a sua maior preocupação é que a sociedade brasileira saiba da real situação do país. “É um material em que eu não pretendo fazer pirotecnia. Eu não pretendo fazer um escândalo, eu pretendo apenas que a sociedade brasileira saiba como nós tomamos posse, que Brasil nós encontramos em dezembro de 2022. Depois de quatro anos de mandato, nós recebemos esse governo em uma situação de penúria, em uma situação em que as coisas mais simples foram feitas de forma irresponsável, porque o governo preferia contar mentiras no cercadinho do que governar o país”.
Lula disse ainda que é a primeira vez que um presidente da República toma posse e começa a governar antes da posse. “Nós tivemos a responsabilidade de fazer uma PEC, e todo mundo sabia que essa PEC não era nossa. Essa PEC era pra cobrir a irresponsabilidade do governo que vai sair, que não tinha colocado dinheiro necessário para atender as pessoas com a política que ele próprio prometeu. Eu quero agradecer companheiro Guimarães e Jacques Wagner, aos presidentes de partidos políticos, porque o que parecia impossível aconteceu: com a votação expressiva, muitos partidos que não são da base do governo apoiaram a PEC em uma demonstração de solidariedade pelo povo mais pobre desse país”.
Desmonte dos Direitos Humanos por Bolsonaro
Veja a seguir o trecho do Relatório sobre o desmonte dos Direitos Humanos no governo anterior. No período de 2019 a 2022, o revisionismo do significado histórico e civilizatório dos Direitos humanos, a restrição à participação social e a baixa execução orçamentária foram a tônica da gestão da política de direitos humanos. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) pautou a sua atuação na negligência de populações vulnerabilizadas, na negação da existência de graves violações a direitos, e no desmonte de políticas públicas arduamente conquistadas, até 2015.
O MMFDH foi instrumentalizado para o cumprimento da tarefa de subverter o significado histórico dos direitos humanos, por meio do uso deturpado de estruturas e recursos públicos; da celebração de parcerias com entidades estranhas a agenda do Ministério; e do comprometimento de áreas já consolidadas de enfrentamento a violações de Direitos humanos.
A condução do Disque 100 é exemplo desse desmonte, aponta o documento. “Além de ter sido fragilizado pela péssima gestão contratual, o Disque 100 foi aparelhado para assediar a educadores e a estabelecimentos comerciais que exigiam certificado vacinal contra Covid-19, atendendo denúncias de sujeitos identificados com a chamada “escola sem partido” e com o negacionismo da crise sanitária recente. Toda a rede de proteção, antes acionada para dar resposta a denúncias de violações, foi desarticulada. Os dados do Disque 100, que são fonte de informações para o desenvolvimento de políticas públicas, deixaram de ser divulgados.
As estruturas de participação social foram o alvo preferencial do desmonte ou desconfiguração de políticas públicas no governo Bolsonaro. Na pasta dos direitos humanos, foram desarticulados ao menos 14 colegiados com participação social efetiva, sendo 12 alterados, com o objetivo de precarizar ou desconfigurar a participação da sociedade, e dois simplesmente extintos por revogação normativa sumária.
O orçamento dedicado às políticas de direitos humanos reforça o cenário de desprezo pelo setor. A despesa discricionária em 2022 chegou ao valor de R$ 238 milhões, aproximadamente um terço da LOA 2015. A PLOA 2023 replica o estado de penúria do orçamento, elevando o desmonte das políticas da área a um patamar crítico.
Além dos cortes, houve baixa execução orçamentária. Até o início de dezembro de 2022, apenas 40% do orçamento da área havia sido empenhado e cerca de 21% haviam sido executados. O cenário orçamentário-financeiro da pasta indica a inviabilidade da política de direitos humanos, caso não haja recomposição orçamentária a partir de 2023.
Essas três principais dimensões do desmonte – o revisionismo do significado histórico dos direitos humanos, as restrições à participação social e a precarização orçamentária, culminaram na descontinuidade de políticas públicas importantes para a promoção e defesa de direitos humanos, como foi o caso do “Plano Viver Sem Limite” e das políticas para a população LGBTQIA+ e para a população em situação de rua.