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Sítio histórico do Porto de São Mateus (ES) vai ter obras de revitalização

Sítio histórico do Porto de São Mateus (ES) vai ter obras de revitalização | Imagens: Divulgação

O Governo do Espírito Santo vai investir R$ 10 milhões nas obras do sítio histórico do Porto de São Mateus (ES), cidade quer fica 215 Km ao Norte de Vitória (ES). O casario histórico somente não foi demolido pela Prefeitura de São Mateus durante a ditadura militar devido a ação das prostitutas que moravam no local, o que faz com que essa cidade do norte capixaba seja a única no Brasil a ter uma placa de agradecimento às cortesãs. A elite econômica local se aliou com o prefeito da época e, em desrespeito aos monumentos históricos, queriam a derrubada do casario.

O governador Renato Casagrande (PSB) esteve em São Mateus nesta última segunda-feira (20), onde assinou a ordem de serviço para obras de Requalificação Urbana do Sítio Histórico. As prostitutas, que com seu protesto vitorioso em defesa da manutenção do casario históricos, não foram lembradas na cerimônia oficial, mas o governador se recordou de um outro lado triste desse mesmo sítio histórico.

“É um importante resgate dessa área histórica e cultural. Histórica, pois tem uma arquitetura belíssima, onde faremos o projeto de restauração do casario. Esse local é também de muita tristeza para o nosso país, um dos últimos do Brasil abolir o comércio de seres humanos e precisamos nos lembrar disso, pois temos a necessidade de políticas públicas e resgatar direitos da população negra. Não temos orgulho deste fato, mas por isso estamos com a Secretaria de Mulheres em parceria com a Prefeitura, promovendo uma série de ações. Vamos seguir lutando para fazer justiça para a população que vive neste local”, destacou Casagrande.

A foto histórica registra a população aguardando ansiosa a chegada de um navio negreiro no Porto de São Mateus | Arquivo

Passado deplorável do Porto de São Mateus

As lembranças do governador são reforçadas por relatos de historiadores. Em todos há o consenso de que a elite burguesa de São Mateus ia para o antigo porto da cidade para fazer uma verdadeira festa quando da chegada dos navios negreiros. Os ricos da cidade, incluindo os fazendeiros, eram os compradores. Os escravos negros eram chamados por essa burguesia de peças.

Antes de desembarcar as peças, os escravos que haviam sido sequestrados em suas regiões originárias na África eram preparados para serem apresentados aos compradores. A  bordo, os  homens e mulheres eram azeitados. Aqueles que tinham ferimentos e tumores tinham a região coberta com ferrugem e pólvora. Já aqueles que tivessem infecção intestinal, tinham o ânus preenchido com estopa.

Após os preparativos, os negros africanos desciam no Porto de São Mateus acorrentados, em fila indiana, e eram levados para o mercado negreiro da cidade. Ali a elite econômica da época examinava e escolhia de acordo com o físico e  compleição física e até pela origem tribal. Era dada preferência na compra aos negros com canela fina, calcanhar para trás e de nádega pequena, sendo esses consideramos os melhores para o serviço na roça.

No Porto de São Mateus continuou atracando navios negreiros clandestinos, mesmo após a proibição desse comércio de seres humanos. De acordo com os relatos históricos, algumas dessas embarcações chegavam a amontoar mais de 300 cativos, que vinham nus, mal alimentados e acorrentados uns aos outros, numa viagem que durava mais de 90 dias. Muitos não resistiam aos sofrimentos impostos, morriam e eram jogados no mar.

Entre1863 e 1887, segundo dados apurados pelos historiadores junto aos registros do Cartório de Primeiro Oficio de São Mateus, foram negociados um total de 606 africanos escravizados na cidade, sendo 326 homens e 269 mulheres.  Os preços destes variavam bastante, em função de fatores diversos tais como sexo, idade, ofício, condição física, dentre outros.

A partir de 1868, os preços dos africanos escravizados subiram muito, alcançando a cifra de 1:028$500 (mil e vinte e oito contos e quinhentos réis) para os homens e de 1:018$750 (mil e dezoito contos e setecentos e cinquenta réis) para as mulheres, um aumento considerável visto que no ano anterior (1867), a média era de 375$000 (trezentos e setenta e cinco conto de réis) para os homens e de 637$916 (seiscentos e trinta e sete contos e novecentos e dezesseis réis) para mulheres.

Devido a falsa moralidade dos moradores da cidade, a Prefeitura de São Mateus quis derrubar o casario em 1968 | Foto: Divulgação

A história do casario em torno do Porto de São Mateus

Segundo o  professor e historiador José Pontes Schayder, do campus do Ifes de Cachoeiro de Itapemirim (ES), intitulado História do Espírito Santo. Uma abordagem didática e atualizada 1535-2002, com o declínio da economia exportadora de farinha de mandioca a vila de São Mateus perdeu importância comercial e urbana. A partir de 1920 os antigos sobrados residenciais e casas comerciais foram sendo abandonados por seus proprietários e herdeiros que, em busca de melhores negócios, transferiram-se para Vitória e Rio de janeiro.

“História do Espírito Santo. Uma abordagem didática e atualizada 1535-2002”, do professor e historiador José Pontes Schayde | Imagem: Reprodução

Num processo lento, gradual e constante que se arrastou por 50 anos, o casario foi transformado em bares, cabarés e bordéis, ocupados por prostitutas e boêmios, naquilo do que restou dessa elite do agronegócio daquela época, que chamava o local de “zona de baixo meretrício”. Para atender a essa elite incomodada com o falso moralismo, a Prefeitura de São Mateus, decidiu demolir o casario histórico para “pôr fim à prostituição e fazer uma ‘limpeza’ no antigo porto.” Os clientes das prostitutas eram exatamente os homens casados e solteiros de São Mateus.

Para por em prática o que seria um crime contra o patrimônio histórico, o prefeito Wilson Gomes (então da Arena, partido da ditadura militar) conseguiu um pretexto. Foi em 1968 quando um grupo de 80 prostitutas, algumas delas doentes, carregadas em macas, realizou uma manifestação pública reivindicando o direito de receber tratamento médico no hospital municipal. Wilson Gomes não atendeu a reivindicação e pediu à Justiça, no que foi atendido, para que fosse fechado os bordéis e cabarés.

Em 1981, durante o Festival de Verão da cidade, uma placa foi colocada no local, registrando a gratidão às prostitutas pela preservação de tal patrimônio histórico-cultural | Foto: Arquivo

Embora as casas de prostituição tenham sido desocupadas pelas damas-da-noite, a prefeitura não conseguiu demolir o conjunto arquitetônico, narra o historiador. Inspirado no episódio da Revolta das Prostitutas com o qual foram solidários, um grupo de intelectuais, estudantes e boêmios, deu início a um movimento que lutou pela preservação, restauração e revitalização do patrimônio histórico da cidade.

Assim, como resultado do trabalho desse grupo, foi criado, nos anos 1970, o Sítio Histórico do Porto de São Mateus e, na última década do século passado, os casarões foram restaurados e tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), o que garante a perenidade dos imóveis. Agora, o local que o ex-prefeito queria ter derrubado, para satisfazer o falso moralismo da sociedade mateense daquela época, vai ganhar as  obras de Requalificação Urbana do Sítio Histórico de São Mateus. O Governo estadual não deu detalhes de quando se inicia e nem de quando termina essas obras de revitalização.