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STF derruba lei de Roraima que proibia destruição de bens apreendidos em operações ambientais


Para o Plenário, a norma estadual limita a eficácia da Lei de Crimes Ambientais. Já as lideranças indígenas pedem proteção devido a ameaças que garimpeiros, em fúria, vem fazendo ao serem expulsos das áreas onde invadiram


PF destrói aviões e maquinas dos das quadrilhas de criminosos que atuam no garimpo ilegal. A PM e os órgãos ambientais de Roraima estavam impedidos de fazer o mesmo, devido a uma lei ilegal | Fotos: Divulgação/Ministério da Justiça

Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional lei do Estado de Roraima que proibia os órgãos ambientais de fiscalização e a Polícia Militar de destruir ou inutilizar bens particulares apreendidos em operações ambientais no estado.

Na sessão virtual encerrada em 17/2, o Tribunal julgou procedente o pedido formulado nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7200 e 7204, propostas, respectivamente, pela Rede Sustentabilidade e pela Procuradoria-Geral da República. A decisão confirmou liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator das ações.

Invasão de competência

Em seu voto no mérito, o relator observou que a Lei estadual 1.701/2022 viola a competência privativa da União para legislar sobre direito penal e processual penal e para editar normas gerais de proteção ao meio ambiente. A seu ver, a lei de Roraima limita a eficácia da Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal 9.605/1998), regulamentada pelo Decreto 6.514/2008, que autoriza a apreensão e a destruição de produtos e instrumentos de infrações ambientais. Com isso, esvazia um instrumento de fiscalização ambiental.

Ainda na avaliação do ministro, a norma estadual vulnera o próprio direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois acaba por permitir a prática de novas infrações ambientais, ao impedir a plenitude do poder de polícia ambiental. Para ele, a manutenção dos efeitos da lei coloca em risco a efetividade da fiscalização, com potenciais danos irreparáveis ou de difícil reparação ao meio ambiente e às populações indígenas de Roraima.

Leia a íntegra da lei derrubada pelo STF:

LEI N. 1.701, DE 5 DE JULHO DE 2022.

Dispõe sobre a proibição aos órgãos ambientais de fiscalização e à Polícia Militar do Estado de Roraima de destruir e inutilizar bens particulares apreendidos nas operações/fiscalizações ambientais no estado e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE RORAIMA:

Faço saber que a Assembleia Legislativa aprovou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica terminantemente proibido aos órgãos ambientais de fiscalização, Polícia Militar do Estado de Roraima e da Companhia Independente do Poli­ciamento Ambiental – CIPA, a destruição e inutilização de bens particulares apreendidos nas operações/fiscalizações ambientais no estado.

Parágrafo único. Aos bens apreendidos na prática de infrações ambientais serão dados a destinação que prevê o art. 25, § 5°, da Lei Federal 9.605/1998 e/ ou no disposto do art. 105 do Decreto Federal 6.514/2008.

Art. 2º Fica também proibido aos órgãos de fiscalização do Estado acompanhar órgãos federais em ações de destruição e inutilização/inviabilização de bens particulares apreendidos em operações e fiscalizações ambientais no âmbito do estado de Roraima.

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Palácio Senador Hélio Campos, 5 de julho de 2022.

Antonio Denarium

Governador do Estado de Roraima

Lideranças indígenas relatam que as ameaças ocorrem normalmente após desmobilização de garimpos ilegais | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Lideranças indígenas pedem proteção contra retaliações de garimpeiros

Atualmente, 18 líderes munduruku estão sob ameaça de morte, segundo levantamento dos próprios indígenas. Localizada no alto curso do Rio Tapajós, no Pará, a Terra Indígena (TI) Munduruku tem 2.382 mil hectares e é um dos três solos indígenas que concentram 95% do garimpo ilegal no país, juntamente com os territórios yanomami e kayapó. A área equivale a 2 mil campos de futebol. Na região, a atividade intensificou-se a partir de 2016. As informações a seguir são da Agência Brasil.

A recente desmobilização do garimpo em terras yanomami, em Roraima, aumenta o receio dos munduruku de que o problema se agrave ainda mais. Lideranças indígenas destacam que retaliações normalmente ocorrem após a retirada de garimpeiros. Na semana passada, lideranças yanomami do Amazonas denunciaram a entrada de garimpeiros na região do Pico da Neblina, procedentes de Roraima.

Entre as lideranças ameaçadas que tiveram de deixar suas casas por pressão de criminosos está Maria Leusa Munduruku, coordenadora da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn. Ela conta que tomou a decisão de se esconder para se manter em segurança, pela primeira vez, durante o governo de Jair Bolsonaro.

Desde 2018, sofre ameaças e já soma dois períodos em que teve que deixar tudo para trás. No primeiro deles, foi embora com o marido e os filhos. Da última vez, deixou o território com cerca de 35 pessoas de sua família. Em maio de 2021, Maria Leusa, que se tornou liderança quando ainda estava no ensino médio, viu a casa dela, no município de Jacareacanga, sudoeste do Pará, ser incendiada por invasores da TI.

Combate ao garimpo

O Instituto Socioambiental (ISA) diz que, em maio de 2021, lideranças munduruku acionaram organizações parceiras para denunciar o incêndio à pequena aldeia indígena Fazenda Tapajós. Os autores do crime foram garimpeiros, que reagiram logo após a Operação Mundurukânia, que combatia garimpos clandestinos na região.

A ação contou com agentes da Polícia Federal (PF), Força Nacional, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional do Índio (Funai).

“Em março de 2021, depredaram a sede das associações, dentro do município de Jacareacanga e, em maio de 2021, queimaram e atacaram a aldeia da Maria Leusa. É necessária uma articulação mais bem feita nesse sentido, para que a gente possa salvaguardar nossas lideranças e seu território. A autodemarcação e a fiscalização são as duas ações mais importantes do movimento, por exemplo, na agenda deste ano “, relata a antropóloga Rosamaria Loures, que também atua como assessora do povo munduruku.

No que diz respeito à mineração ilegal, no fim de novembro de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou à PF e ao Ibama informações sobre medidas de combate à atividade, na área da TI Munduruku que fica no sudoeste do Pará.

O MPF considerou os danos “um cenário dantesco”. Um mês antes, o MPF já havia reiterado pedido à Justiça Federal, para que a União, o Ibama e a Funai articulassem ação emergencial de enfrentamento ao garimpo. De acordo com levantamento do MapBiomas, somente na TI Munduruku, há 21 pistas de pouso, o que acende o alerta para a presença de garimpeiros no local. A maioria delas (80%) está a uma distância de 5 quilômetros ou menos de algum garimpo.

Operações

Lideranças afirmam que, em seguida à repressão de crimes praticados em terras indígenas, há retaliação por parte dos criminosos, um aspecto que preocupa especialistas.

Para a antropóloga Rosamaria, a atuação de forças de segurança do governo deve ser contínua, e não apenas em operações isoladas. “Acaba que essas operações que estão acontecendo na Mundurukânia [Vale do Tapajós] trazem, posteriormente, muitos problemas para as lideranças”, diz.

Segundo Maria Leusa, os ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro aos indígenas dificultaram a resistência dos munduruku. “A primeira ameaça foi do próprio governo [Bolsonaro], quando ele falava que não ia demarcar nenhum centímetro de terra”, afirma a líder, que, em 2018, foi secretária de Assuntos Indígenas do município de Jacareacanga.

“E, depois, os invasores aproveitam esse discurso de maldade para tentar nos intimidar. Eles vão lá, entram com tudo, com escavadeira, usam os parentes com a corrupção, os nossos parentes que caem na ganância. Isso foi uma realidade bem triste. Muitos parentes foram para a ganância”, desabafa.

Território

De acordo com o ISA, além do assédio da cadeia da mineração ilegal, há pressões por parte dos setores elétrico, para o funcionamento de hidrelétricas, e de transportes e infraestrutura, por causa da construção de hidrovias, ferrovias e portos. Essa realidade marcada pela violência faz com que lideranças equiparem as condições deles às de refugiados. Isso porque, ao saírem de suas terras, rompem contatos com parentes, têm acesso reduzido a alimentos que fazem parte de sua dieta e cortam a interação com seu espaço.

A TI é habitada por comunidades munduruku, apiaká e indígenas em isolamento voluntário. Junto com a TI Sai Cinza e a TI Kayabi, reúne cerca de 145 aldeias munduruku. Os munduruku estão ainda no Médio Tapajós, na TIs Sawre Muybu e Sawre Ba’pin, além das reservas indígenas Praia do Índio e Praia do Mangue. Um povo presente no Pará, no Amazonas e em Mato Grosso, que, geralmente, vive às margens de rios navegáveis.

O nome Mundurukânia se refere ao Vale do Tapajós, território mantido sob domínio dos munduruku desde o fim do século 18. Segundo o ISA, a população munduruku tem atualmente cerca de 14 mil pessoas. Os munduruku receberam esse nome dos parintintins, povo rival. A denominação significaria “formigas vermelhas”, uma alusão ao perfil dos guerreiros munduruku, que atacavam em massa os territórios de adversários.