“Principalmente os de matrizes africanas, não são os evangélicos, não são os católicos. No Brasil, o preconceito é contra as religiões de matrizes africanas”
— Carmem Lúcia, presidente do STF
A intolerância com as religiões de matriz africana, que é alvo de frequentes ataques no Espírito Santo, por parte de políticos bolsonaristas, foi tema do seminário “História dos Negros no Brasil”, realizado pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) nesta semana. O evento foi realizado pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) e do Núcleo de Proteção aos Direitos Humanos (NPDH). Nesta última quinta-feira (24) este mesmo tema foi motivo de um puxão de ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) no bolsonarista André Mendonça, indicado pelo derrotado presidente Jair Bolsonaro (PL) para ocupar o cargo naquela Corte.
O puxão de orelhas ocorreu durante o julgamento da Arguição de Descumprimento Fundamental (ADPF) 634, que analisava se a cidade de São Paulo capital tinha competência ou não para instituir o dia 20 de novembro como feriado do Dia da Consciência Negra. André Mendonça, que foi chamado por Bolsonaro de “terrivelmente evangélico”, começou um discurso dizendo que havia preconceitos contra o segmento evangélico, que se notabilizou nessas últimas eleições por abrigar uma fatia de extrema-direita radical.
Mendonça começou disse: ““Nós somos um só povo. Uma só raça, uma só nação. Somos todos a raça humana, brasileiros, e devemos estar imbuídos desse mesmo propósito de construção de igualdade para todos”. Antes mesmo dele completar a fase, Carmem Lúcia discordou e retrucou: “Nós mulheres, negros, indígenas, somos parte desse povo que não é um só. A constituição garante a igualdade na forma, mas é uma construção permanente. Quando digo que sofremos discriminação, a gente sofre. Somos sim um povo, com muitas desigualdades.” Apesar do “puxão de orelhas”, Mendonça insistiu no seu argumento, dizendo que as religiões evangélicas também sofrem “preconceito” e que por isso o Congresso Nacional editar uma lei nacional instituindo o feriado e não ao município de São Paulo.
No ES, o objetivo foi combater a intolerância às religiões africanas
Segundo o MPES, “o objetivo foi esclarecer conceitos e debater formas de combate à discriminação por intolerância religiosa em um estado laico e plural, bem como promover um diálogo tratando da importância social e cultural afro-brasileira.”
O encontro foi realizado com o apoio da Escola Nacional do Ministério Público (Enamp) e do Colégio de Diretores de Escolas e Centros de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional dos Ministérios Públicos do Brasil (CDEMP). A procuradora-geral de Justiça do MPES, Luciana Andrade, abriu o evento agradecendo e cumprimentando todos os presentes. Luciana Andrade ressaltou a importância do debate sobre os reflexos das religiões de matriz africana na sociedade.
“É importante que o Ministério Público promova essa reflexão sobre as religiões de matriz africana. Nós precisamos ampliar o debate dentro da instituição. A população negra é a maioria quantitativamente, no entanto, é a que tem seus direitos humanos mais violados, violentados, castigados. Esse racismo é lamentavelmente estrutural, entranhado, invisibilizado a cada dia nas nossas palavras, nas nossas ações, no regime econômico financeiro, dentro da escola, dentro das instituições”, destacou.
A coordenadora do NPDH, procuradora de Justiça Catarina Cecin Gazele, salientou o papel do Ministério Público no fomento de políticas públicas que promovam a representatividade e a igualdade. “Todo ano, através do Núcleo de Proteção aos Direitos Humanos aqui do Ministério Público, temos tratado desta data, que é uma data a mais no trabalho iniciado em 1990 pela Organização das Nações Unidas (ONU), de reflexão nos gabinetes, nas faculdades, em vários setores públicos e também empresas privadas que, sabemos, têm um trabalho muito importante”, completou
O subprocurador-geral de Justiça Institucional e coordenador do Comitê de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (CPIER) do MPES, Alexandre José Guimarães, reforçou a necessidade da instituição estar envolvida nessa temática. “É preciso que resgatemos a história da população negra. É preciso resgatar, sobretudo, a grandeza da cultura de matriz africana. É muito importante que a instituição provoque esse momento de reflexão”, salientou.