A 1ª Turma do STF entendeu que a denúncia da PGR comprova a materialidade de crimes e indícios de autoria. Denunciados passarão a ser réus numa ação penal

Por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu, nesta última quarta-feira (26), a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete ex-integrantes de seu governo por tentativa de golpe de Estado. Segundo a denúncia, esses oito acusados integram o Núcleo 1, ou “Núcleo Crucial”, de uma organização criminosa que buscava impedir o regular funcionamento dos Poderes da República e depor o governo legitimamente eleito.
Nessa fase processual, foi examinado apenas se a denúncia atendeu aos requisitos legais mínimos exigidos pelo Código de Processo Penal para a abertura de uma ação penal. A conclusão foi de que a PGR demonstrou adequadamente que os fatos investigados configuram crimes e que há indícios de que os denunciados participaram deles.
Com o recebimento da denúncia, os oito acusados se tornarão réus e passarão a responder a uma ação penal pelos crimes descritos pela PGR: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Materialidade
O ministro Alexandre de Moraes, relator da Petição (PET) 12100), concluiu que a PGR descreveu de forma detalhada a prática dos crimes e evidências da participação dos envolvidos, o que permite que eles entendam claramente do que estão sendo acusados.
Na sua avaliação, a denúncia demonstra que houve uma ação coordenada para praticar crimes contra as instituições democráticas e romper a normalidade do processo sucessório da Presidência da República. Para o relator, a materialidade dos crimes está comprovada, pois houve violência e grave ameaça, e já foi reconhecida pelo STF na análise de 474 denúncias que envolvem os mesmos crimes, embora com participações diversas.
Segundo o ministro Alexandre, os atos apontados na denúncia culminaram no ataque de 8/1, que “não foi um passeio no parque”, porque os manifestantes romperam violentamente as barreiras da Polícia Militar, e policiais foram gravemente feridos.
Vídeos exibidos pelo relator com imagens dos acampamentos, das tentativas de invasão da sede da Polícia Federal e de explodir uma bomba no Aeroporto de Brasília e a depredação da Praça dos Três Poderes confirmam, para o relator, os crimes indicados na denúncia e não deixam dúvida sobre a materialidade e a gravidade dos delitos.
Autoria individualizada
Em relação à autoria, o ministro Alexandre detalhou as evidências da participação individualizada dos denunciados. A seu ver, há fortes indícios da participação do ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) na disseminação de notícias falsas sobre suposta fraude às eleições. Ele também considerou evidente a adesão do almirante e ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos na elaboração da “minuta do golpe”, cuja presença na reunião que discutiu o assunto foi comprovada por meio de uma lista de entrada e saída de pessoas do Palácio do Alvorada.
Na parte relativa ao ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres, a PGR revelou que ele teria utilizado o cargo para atacar instituições, especialmente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo a denúncia, Torres teve papel importante na live em que Bolsonaro inaugurou os ataques e também atuou no episódio em que a Polícia Rodoviária Federal, subordinada ao Ministério da Justiça, preparou operações para dificultar o acesso de eleitores às seções de votação em 2022.
O ministro também concluiu que há indícios razoáveis de que o general da reserva e ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno ajudou a estruturar o discurso de desinformação divulgado por Bolsonaro, incentivando o ataque ao sistema eleitoral e à descredibilização das instituições, bem como participação no plano para descumprir decisões judiciais.

Bolsonaro: líder da organização criminosa, diz denúncia da PGR
O relator também votou pelo recebimento da denúncia em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Para o ministro, a denúncia traz indícios detalhados de que ele seria o líder da organização criminosa. Segundo a PGR, foi ele quem iniciou a organização de uma estratégia para divulgar notícias falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro e atacar as urnas eletrônicas sem fundamento. Por meio de uma live, incitou publicamente a intervenção das Forças Armadas e coordenou integrantes do governo federal para atuar de forma ilícita na construção de uma narrativa que visava deslegitimar o sistema eleitoral.
Entre outros pontos citados pelo ministro, a PGR demonstrou que Bolsonaro proibiu o ministro da Defesa de apresentar conclusão da comissão das Forças Armadas de que não havia fraude nas urnas. Ele também teria conhecimento do plano criminoso “Punhal Verde e Amarelo”, que visava monitorar e executar autoridades públicas. Além disso, o então presidente conhecia, manuseava e discutia o conteúdo da minuta do golpe e tentou buscar apoio do alto escalão das Forças Armadas para a quebra da normalidade democrática.
O ministro Alexandre de Moraes também votou pelo recebimento da denúncia em relação ao tenente-coronel e ex-ajudante de ordens da Presidência da República Mauro Cid, que confessou os atos praticados e fez acordo de colaboração premiada.
Na parte relativa ao general e ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, o relator verificou que a denúncia narra a participação do militar na reunião de 7/12/2022, quando a minuta do plano golpista foi apresentada pela primeira vez. De acordo com a PGR, Nogueira participou da decisão de alterar a conclusão de uma comissão que, sob determinação de Bolsonaro, atuou na verificação da lisura das urnas e concluiu que não houve fraude nas eleições.
Por fim, conforme o ministro Alexandre, a PGR narrou de forma concisa e detalhada os indícios de autoria do general da reserva e ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto. A denúncia descreve a incitação de Braga Netto aos movimentos populares e sua ideia de multiplicar a adesão à tentativa de golpe a partir de notícias fraudulentas. Após as eleições de 2022, ele teria dito aos manifestantes em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, que havia esperança, que o processo não havia terminado e que algo aconteceria até o final do ano.
Ministro Flávio Dino
Primeiro a votar após o relator, o ministro Flávio Dino entendeu que estão comprovados os indícios de autoria e a materialidade dos crimes descritos na denúncia. Ele ressaltou que a conduta punida na lei é a de atentar contra o Estado de Direito ou contra o governo eleito. “Por uma razão simples: se fosse consumado o golpe de Estado, não haveria Justiça para julgar”, afirmou.
Dino também rejeitou o raciocínio de que, por não resultar em morte, a tentativa de golpe teria menor potencial ofensivo. “Golpe de Estado mata, não importa se no dia, no dia seguinte ou alguns anos depois”. O ministro ainda afirmou que, uma vez aberta a ação penal, o STF terá as condições de avaliar e identificar, durante a instrução, a participação concreta de cada um dos denunciados.
Ministro Luiz Fux
O ministro também considerou que a PGR conseguiu preencher os critérios de autoria e materialidade para a abertura da ação penal e ressaltou que os fatos ocorridos antes e durante o 8 de janeiro de 2023 não podem cair no esquecimento. ”Não se pode ficar indiferente à ameaça à democracia e fingir que nada aconteceu”, afirmou.
Fux acompanhou integralmente o voto do relator pelo recebimento da denúncia e disse que, na fase da instrução da ação penal, irá analisar com mais profundidade as características previstas na lei para o crime de tentativa de golpe de Estado.
Ministra Cármen Lúcia
Ao acompanhar o relator pela aceitação da denúncia, a ministra Cármen Lúcia ressaltou que a peça de acusação da PGR descreve a tentativa contínua de desmontar a democracia. “É um fato”, afirmou. “Todo mundo assistiu ao quebra-quebra e à tentativa de ‘matar o Supremo’ e, antes, de matar o TSE”.
Para a ministra, os graves fatos narrados na denúncia, como a contínua tomada de atos, providências e medidas ilícitas e criminosas culminaram na “Festa da Selma”, código utilizado pelos golpistas para se referir aos atos de 8 de janeiro.
Ministro Cristiano Zanin
O último a votar foi o presidente da Turma, ministro Cristiano Zanin. Ele disse que a PGR apresentou uma série de elementos para amparar os fatos apontados na denúncia. Também destacou que a acusação não está baseada exclusivamente em colaboração premiada. “São diversos documentos, vídeos, dispositivos, diversos materiais que dão amparo ao que foi apresentado pela acusação”, afirmou.
Conforme o ministro, as provas levantadas até aqui mostram fatos extremamente graves que, em tese, configuram os crimes descritos na denúncia. Zanin ressaltou que a autoria de cada denunciado e a materialidade das imputações serão avaliadas durante a tramitação da ação penal. “Não adianta dizer que a pessoa não estava no dia 8 de janeiro se ela participou de uma série de atos que culminaram nesse evento”, concluiu.
Quem são os réus pela tentativa de golpe de Estado do grupo Núcleo 1
- Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente da República de 1° de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2022
O que diz o MPF: “A denúncia retrata acontecimentos protagonizados pelo agora ex-presidente da República Jair Bolsonaro, que formou com outros civis e militares organização criminosa que tinha por objetivo gerar ações que garantissem sua continuidade no poder, independentemente do resultado da eleição presidencial de 2022.”
Segundo a narrativa do PGR, os atos golpistas foram coordenados durante anos, começando em meados de 2021, com o início de um ataque deliberado às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral, e culminando com o 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
- Walter Braga Netto, general de Exército, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e vice de Bolsonaro na chapa das eleições de 2022
O que diz o MPF: Esteve presente na reunião com Bolsonaro e outras autoridades, em julho de 2022, onde Bolsonaro fez um pedido a todos os presentes aumentassem os ataques ao sistema eleitoral.
Ainda de acordo com o MPF, Braga Netto teve participação no esquema de financiamento da ação planejada para assassinar o presidente Lula, o vice Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, além de ter estimulado os grupos radicais, em reuniões realizada para operacionalizar o plano golpista e na pressão sobre os militares que não aderiram ao golpe.
- General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional
O que diz o MPF: Foi o auxiliar direito de Bolsonaro para implementar o plano golpista, dando contribuição nos ataques para viabilizar o plano criminoso. Também teve participação central nos ataques ao sistema eleitoral , com prova manterial, como agenda achada pela Polícia Federal na sua própria casa do militar,onde havia um esquema para forjar discurso contrário às urnas.
Ainda foi acusado de ter participado do plano para descumprimento de decisões judiciais e provas na sua agenda de que sabia das ações da “Abin Paralela”. Na denúncia, o general é colocado como sendo o chefe do “gabinete de crise” criado pelo governo Bolsonaro, para impalntar uma ditadura após a consumação do golpe de Estado.
- Alexandre Ramagem, delegado da Polícia Federal licenciado, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e ocupa atualmente uma cadeira de deputado federal
O que diz o MPF: Forneceu auxílio direto a Bolsonaro para a deflagração do golpe de Estado. Atuou na construção e direcionamento das mensagens que passaram a ser difundidas em larga escala pelo então Presidente da República a partir de 2021. E a denúncia ainda atribuiu a Ramagem o documento “onde apresentava uma série de argumentos contrários às urnas eletrônicas, voltados a subsidiar as falas públicas do ex-presidente com ataques às urnas eletrônicas.”
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Estado da Segurança Pública do Distrito Federal pela ocasião da tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023
O que diz o MPF: Enquanto ministro de Bolsonaro também atuou nas falsas narrativas de suposta fraude nas urnas eletrônicas em transmissão nacional durante encontro com embaixadores, além de “distorcer informações e sugestões recebidas da Polícia Federal”, que era subordinada ao seu Ministério. Ainda é acusado de ter atuado na implantação de bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Estados do Nordeste, para retirar votos do eleitorado do então candidato à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva.
Ainda consta na acusação a minuta do decreto de Estado de Defesa detalhando a execução do golpe de Estado, encontrada na sua casa pela Polícia Federal. A minuta ainda citava a intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ainda é acusado de omissão no ataque deflagrado em 8 de janeiro de 2023 pelas hordas bolsonaristas, já que ocupava naquela ocasião o cargo de |secretário de Segurança do Distrito Federal.
- Almir Garnier Santos,almirante da reserva e ex-comandante da Marinha
O que diz o MPF: Aderiu ao plano de golpe de Estado, inclusive com as apurações feitas pela Polícia Federal em uma reunião ocorrida em dezembro de 2022, Garnier se colocou à disposição de Bolsonaro para seguir as ordens do decreto golpista. Após ter dado essa garantia, ainda avalizou a trama golpista em uma nova reunião, realizada naquele mesmo mês de 2022.
- Paulo Sérgio Nogueira, general do Exército, ex-ministro da Defesa e ex- comandante do Exército
O que diz o MPF: Foi participante da reunião de julho de 2022, onde Bolsonaro fez ataques ao sistema eleitolral brasileiro e solicitou a todos os presentes que “propagassem seu discurso de vulnerabilidade das urnas.” Foi nesse encontro onde Bolsonaro comunicou a todos os participantes que iria fazer uma reunião com embaixadores.Na acusação consta que o general instigou a ideia de “intervenção das Forças Armadas no processo eleitoral.”
- Mauro Cid, tenente-coronel do Exército, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e fez acordo de delação premiada com as autoridades do Judiciáro
Integrante do núcleo crucial” juntamente com Bolsonaro e os outros seis acusados, com o detalhe de ter tido “menor autonomia decisória”, por ocupar a função de cumpridor de ordens do então presidente. Na acusação consta que fez troca de mensagens com outros militares investigados, com o intuito de obter com ajuda de hackers, elementos que pudessem levantar “dúvida” sobre as urnas eletrônicas. Fooi participante ativo do plano golpista “Punhal Verde e Amarelo”.
Consta nos autos que Mauro Cid tinha a posse, em seu celular, da minuta golpista a ser assinada por representante do Partido Liberal, com informações falsas sobre suposta fraude nas urnas. No seu celular ainda havia o discurso que Bolsonaro iria fazer através de rede nacional de rádio e TV após ter implantado o golpe de Estado.
Quais os cinco crimes citados pelo MPF para o Núcleo 1, ou “Núcleo Crucial”
- Golpe de Estado: Tentativa de “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. A pena para esse crime fica entre 4 e 12 anos de prisão em regime fechado.
- Abolição violenta do Estado Democrático de Direito: : Tentativa de praticar “com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A pena para este outro crime fica entre 4 e 8 anos de prisão.
- Deterioração de patrimônio público tombado: A destruição, inutilização ou deterioração de bens públicos históricos e protegido por lei, por ato administrativo ou decisão judicia tem pena entre um e três anos.
- Dano qualificado: A destruição, inutilização e deterioração de coisa alheia, com violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, além da consideração de prejuízo para a vítima é outra acusação e a´pena fica entre .6 meses e três anos de prisão.
- Organização criminosa: Por ser um grupo acima de quatro, como estabelece a legislação em vigor, que se reúnem, de forma ordenada e com divisão de tarefas, para cometer crimes a pena estabelecida fica de três a 8 anos de prisãlo.