Ivan Carlini comandou a Câmara de Vereadores de Vila Velha (ES) por 24 anos e somente saiu do comando porque perdeu as eleições municipais de 2020 e, por isso, não foi reconduzido para o cargo
O Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) condenou o ex-presidente da Câmara Municipal de Vila Velha Ivan Carlini, a ressarcir o erário no valor de R$ 699.660,87, devido às irregularidades no pagamento indevido de diárias de viagem a servidores e vereadores, com indícios de fraude, e pagamento de diárias além do necessário, sem a comprovação de reembolso. Ele ainda sofreu aplicação de multa no valor de R$ 2.000,00.
A decisão foi aprovada à unanimidade, conforme o voto do relator, conselheiro Domingos Taufner, na sessão virtual do Plenário do último dia 08 de dezembro. (Leia o voto do relator, na íntegra, clicando neste link).
O processo em questão foi uma Tomada de Contas Especial, instaurada para apurar os fatos, identificar os responsáveis e quantificar o dano sobre pagamentos realizados em 2012 de diárias para vereadores e servidores da Câmara Municipal de Vila Velha participarem de cursos de capacitação promovidos pelo Instituto Nacional Municipalista (INM) e pelo Instituto Capacitar.
Esses pagamentos se tornaram alvo de auditoria em razão de um suposto conluio com Câmaras Municipais para pagamento de viagens desnecessárias ou mesmo simuladas, para servidores públicos e vereadores, que resultaram em processos deflagrados por diversos Ministérios Públicos Estaduais. Também foi apontado que alguns temas tratados nos cursos de capacitação não guardavam pertinência com os trabalhos legislativos, além de os processos de prestações de contas das diárias estarem incompletos e apresentarem diversas inconformidades que sugerem o indicativo de fraudes.
Entenda o caso
Considerando os fatos apurados pela equipe de auditoria, em 2012 foram realizados pagamentos na ordem de R$ 696.402,77 (correspondentes a 308.292,8726 VRTE) em diárias para vereador e servidores da Câmara Municipal de Vila Velha participarem de cursos de capacitação promovidos pelo Instituto Nacional Municipalista (INM) e pelo Instituto Capacitar. Havia outras 123 pessoas beneficiadas por esses pagamentos.
A área técnica concluiu que não foi possível comprovar a prestação efetiva dos serviços e nem as despesas realizadas, pois a documentação constante na maioria dos processos de diárias se mostrou insuficiente, além de inconsistente.
O relatório mostrou que houve indícios de fraude no pagamento das diárias a servidores públicos da Câmara. Primeiro, sob o aspecto da legalidade, pois o então presidente da Câmara usurpou a competência da Mesa Diretora do Legislativo Municipal, ao assinar sozinho os atos de designação dos servidores para participarem dos cursos de capacitação. Além disso, as contratações dos Institutos para prestarem os supostos cursos de capacitação ocorreram sem a formalização de qualquer procedimento licitatório, tampouco de inexigibilidade ou de dispensa de licitação.
A ilegitimidade da despesa com as diárias também foi configurada, devido ao fato de terem sido escolhidos 109 servidores comissionados para participarem dos cursos de capacitação, dentre o total de 133 servidores designados, ou seja, 81,95% dos servidores designados não possuía vínculo efetivo com a Administração Pública. Oitenta e nove deles, inclusive, foram exonerados no próprio exercício de 2012 ou em 2013.
Também não houve economicidade, pois os gastos com diárias naquele ano revelaram descontrole e a desproporção, já que os gastos com diárias somados de todas as outras seis Câmaras Legislativas de Municípios da Grande Vitória, no exercício de 2012, corresponderam a apenas 40% dos gastos com diárias da Câmara Municipal de Vila Velha, no mesmo exercício.
Em sua defesa, Ivan Carlini alegou que as diárias eram analisadas pelos servidores competentes, que em momento algum levaram qualquer irregularidade ao conhecimento do então presidente, e que por isso ele não deveria ser responsabilizado, já que na época dos fatos não lhe foi noticiada nenhuma irregularidade.
No entanto, a área técnica entendeu que a irregularidade deveria ser mantida, e que o presidente da Câmara praticou ato doloso, pois corroborou incisivamente para a concessão indistinta de diárias a servidores, sem critérios previamente definidos.
A análise concluiu que “a concessão de diárias, com violação a regras de competência, que deveriam ser de conhecimento do Chefe do Poder Legislativo, em conjunto com a ausência de processo de licitação, dispensa ou inexigibilidade para a contratação das empresas para ministrar os supostos cursos de capacitação, constituem falhas grosseiras que demonstraram a intenção deliberada do gestor em causar as irregularidades administrativas apuradas”.
“Além disso, comprovou-se a presença, ao menos, de erro grosseiro na atuação do ex-presidente da Câmara, pois aprovou as prestações de contas dos servidores beneficiados, sem amparo em qualquer liquidação da despesa, que deveria ter sido realizada por servidor público especificamente designado para a fiscalização da execução das despesas com as diárias, bem como sem amparo em documentos que comprovassem o deslocamento dos servidores para participarem dos supostos cursos”, acrescentou o relatório técnico.
O relator acompanhou o posicionamento, e, por essa irregularidade, ainda houve a aplicação de multa de R$ 2.000,00.
Pagamento de diárias a mais
A segunda irregularidade foi verificada devido ao pagamento a maior de diárias para vereadores. A primeira ocorrência disso, demonstrada no processo, foi de que o vereador de Vila Velha à época, Almir Neres de Souza, recebeu 4 diárias, no valor de R$ 2.262,56, para participar do 54º Simpósio Brasileiro de Prefeitos. No entanto, o curso durava 1 dia e meio. Apesar isso, não houve comprovação de ressarcimento ou qualquer manifestação dos setores da Câmara quanto à discrepância entre os valores pagos e devidos ou ainda quanto ao ressarcimento.
De maneira semelhante, foi autorizado o pagamento das diárias e das inscrições para o vereador Wanderson Pires e o servidor Gilmar Martins de Freitas para participarem do II Congresso Brasileiro sobre auditorias preventivas – INSS, Tribunal de Contas – Controle Interno e Externo – em São Paulo entre os dias 19 a 22/06, pelos quais receberam quatro diárias. Eles alegaram um suposto “cancelamento” inesperado do curso e, então, foram para Belo Horizonte participar do mesmo curso, que seria realizado entre os dias 26 a 29/06, viajaram dois dias após o início do curso e não devolveram as diárias recebidas a maior. Isso gerou um dano ao erário no montante de R$ 2.126,82.
A análise técnica, corroborada pelo relator, foi no sentido de que houve desvio de finalidade pública dos atos e gastos analisados o que, comprovadamente, ocorreu em evidente afronta a regulamentação pertinente, caracterizando conduta dolosa cometida pelo responsável indicado, o presidente da Câmara Ivan Carlini. Com tais despesas, constatou-se que houve inobservância aos princípios constitucionais que regem a administração pública, em especial aos da eficiência, economicidade e moralidade.
Desta forma, o tribunal decidiu julgar as contas do presidente da Câmara de Vila Velha em 2012, Ivan Carlini, como irregulares, condenando-o ao ressarcimento ao erário de R$ 699.660,87, sendo R$ 696.402,77 referentes ao pagamento indevido de diárias, e R$ 3.258,10 pelo pagamento de diárias a maior sem a comprovação de reembolso. Aplicou, ainda, multa de R$ 2 mil pela prática de ato com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial. Conforme o Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), dessa decisão cabe recurso.
Entenda a Tomada de Contas
A Tomada de Contas em questão foi instaurada para apurar supostas irregularidades apresentadas pelos resultados parciais da auditoria realizada. Foi verificado ausência de comprovantes da efetiva participação dos servidores nos cursos de capacitação, assim como a ausência de comprovantes dos meios de transporte e estadia porventura utilizados pelos servidores para o deslocamento e permanência nas cidades onde foram realizados os cursos, indicando que os pagamentos foram efetuados sem a devida comprovação da liquidação de despesa.