Mais de 70% dos adolescentes recorrem a métodos modernos; a aderência a eles, no entanto, é menor entre aqueles com histórico de violência doméstica e sexual
A adolescência é uma fase da vida marcada por experimentação e a iniciação sexual, muitas vezes acompanhadas de um despreparo tanto decorrente da estreia, quanto da falta de acesso e de informação sobre meios para uma vivência segura, de forma a prevenir uma gestação e infecções sexualmente transmissíveis. Com o objetivo de investigar a frequência, o padrão e os fatores individuais, intrapessoais, comunitários e contextuais associados ao uso de métodos contraceptivos modernos e contracepção de emergência por adolescentes escolares brasileiros, foi realizada uma pesquisa de doutorado no Programa de Pós-graduação da Escola de Enfermagem da UFMG.
A tese, de autoria do enfermeiro Marco Aurélio de Sousa sob orientação da professora Mariana Santos Felisbino Mendes, reuniu estudos com resultados provenientes de análises de dados nacionais de mais de 36 mil adolescentes escolares de 13 a 17 anos de idade que responderam um questionário sobre o uso de métodos contraceptivos na edição mais recente da Pesquisa Nacional sobre Saúde do Escolar (PeNSE). A pesquisa constatou que 74% dos adolescentes nessa faixa etária que já tiveram iniciação sexual, utilizaram métodos contraceptivos modernos na última relação sexual e 37,9% utilizaram contracepção de emergência alguma vez na vida.
Preservativos e pílulas são os mais usados
Marco Aurélio afirma que os contraceptivos mais utilizados por esses adolescentes foram o preservativo (70,3%) e a pílula (24,8%). “Os fatores individuais como sexo feminino, histórico de violência doméstica, importunação sexual ou violência sexual; e, o fator comunitário de morar em áreas urbanas se associaram negativamente ao uso de métodos modernos, enquanto procurar o serviço de saúde no último ano e ter alta supervisão dos pais se associou positivamente ao uso desses métodos”.
Outro resultado importante desta tese é sobre o uso de contracepção de emergência alguma vez na vida. Foram observados que os fatores individuais como ser do sexo feminino, estar na faixa etária de 16 e 17 anos, ter histórico de violência sexual e ter procurado o serviço de saúde no último ano; bem como o fator familiar de morar apenas com o pai, ou com nenhum dos pais ou apenas com a mãe; e, o fator comunitário e político de morar nas regiões Centro-Oeste e Sudeste aumentam as chances de uso desse tipo de contracepção.
“Também foi constatado variabilidade no uso de métodos modernos entre os estados brasileiros, morar em um estado com alto valor de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e Índice Sociodemográfico (SDI) aumentou a chance do uso de métodos contraceptivos modernos. Em contrapartida, é visto que esses estados apresentam as menores médias de uso de contracepção de emergência”, relatou Marco.
Meninos do Sudeste de 13 a 17 anos são os que mais fazem sexo
No que diz respeito ao sexo, tanto em 2015 como em 2019, a maior proporção de adolescentes de 13 a 17 anos que tiveram iniciação sexual foi do sexo masculino (56,8% e 53,6%, respectivamente), com proporções equiparadas entre os sexos na faixa etária de 16 e 17 anos. Em relação às regiões do Brasil, a maior proporção de respondentes vivia no Sudeste (41,3% em 2015 e 38,8% em 2019), seguidos pelas regiões Nordeste (26,4% e 26,6%), Sul (14,9% e 14,2%), Norte (9,9% e 12,3%) e Centro-Oeste (7,7% e 8,2%).
Nas duas edições da pesquisa, 59% dos adolescentes eram negros (pretos e pardos), seguidos de brancos (34,8% em 2015 e 33,3% em 2019), amarelos (3,6% nos dois anos) e indígenas (2,7% em 2015 e 3% em 2019).
No que diz respeito a escolaridade da mãe, 37,9% em 2015 e 33,8% dos respondentes tem mães que estudaram até o ensino fundamental e 33,6% em 2015 e 34,9% em 2019 tem mães que estudaram até o ensino médio. Nos dois anos da pesquisa a maior parte dos adolescentes residiam com ambos os pais (49,9% e 47,7%, respectivamente), 35% deles em 2015 e 36,1% em 2019 residiam apenas com a mãe. De acordo com a dependência administrativa das escolas, 90% dos adolescentes são de escolas públicas nas duas edições da pesquisa.
Métodos contraceptivos modernos
Marco Aurélio explica que os métodos contraceptivos modernos podem ser entendidos como formas de se evitar a gravidez, de maneira não comportamental, incluindo o uso de contraceptivos orais, hormonais injetáveis, dispositivo intrauterino (DIU), adesivo intradérmico, anel vaginal, implantes ou mesmo o preservativo.
Entre os fatores individuais a proporção do uso de métodos contraceptivos modernos pelos adolescentes brasileiros foi de 74%, maior entre os meninos 76,3%. As meninas que apresentam histórico positivo de gravidez prévia utilizam menos métodos contraceptivos modernos (59,9) se comparado as que nunca ficaram grávidas (72,4%). Os adolescentes que passaram por violência doméstica (67,4%), importunação sexual (66,1%) e violência sexual (64,2%) apresentam menor proporção do uso de métodos modernos no que os que não passaram por esses tipos de violência.
Os que se vacinaram contra HPV usam mais contraceptivos
Os adolescentes que buscaram o serviço de saúde no último ano fizeram maior uso de métodos contraceptivos na última relação (75,4%) ao se comparar com quem não buscou o serviço de saúde (71,8%). Os adolescentes que se vacinaram contra o HPV também apresentam maior proporção de uso de métodos contraceptivos modernos (75,5%). Em relação aos fatores familiares, destaca-se que os adolescentes que têm alta supervisão dos pais (78,3%) apresentam maior proporção do uso de MC modernos.
Em relação às faixas etárias, os adolescentes de 13 a 15 anos utilizaram menos métodos contraceptivos modernos e tiveram maior proporção do não uso de métodos se comparado aos adolescentes de 16 e 17 anos. “Ao comparar as estimativas de 2015 e 2019, destaca-se também a redução do uso de métodos contraceptivos modernos nas faixas etárias de 13 a 17 anos (de 77,5% para 74%) e de 16 e 17 anos (de 80,4% para 74,1%) em ambos os sexos”, ressaltou o enfermeiro.
Uso elevado por adolescentes ecolares
Segundo o pesquisador, o uso de métodos contraceptivos modernos por adolescentes escolares brasileiros é elevado, entretanto, houve redução no uso desses métodos entre os anos de 2015 e 2019, o que reforça a necessidade de fortalecimento das políticas públicas voltadas a saúde sexual e reprodutiva dessa população. “Os achados dessa tese apontam para a necessidade de ampliação do mix contraceptivo para os adolescentes brasileiros, garantindo o acesso a métodos contraceptivos eficazes e com maiores chances de uso pelos adolescentes.
Também há a necessidade de garantia do acesso equânime aos métodos contraceptivos pelos adolescentes no território nacional, e levando em considerações as especificidades dessa fase da vida e os fatores individuais, familiares, comunitários e contextuais associados ao uso desses métodos. O fortalecimento de ações entre os serviços de educação e saúde, como o Programa Saúde na Escola, podem favorecer o acesso a informações sobre saúde sexual e reprodutiva, incluindo a contracepção, favorecendo escolhas contraceptivas seguras e orientadas”.