Após 12 anos, o Brasil está passando por um novo censo, cuja coleta de dados será concluída em dezembro. Para os pesquisadores de Geografia da População, essas informações são essenciais para estudar aspectos como migração, mobilidade espacial, urbanização, metropolização, segregação socioespacial, violência, criminalidade, gênero e sexualidades, problemas étnico-raciais, injustiças socioespaciais e questões de saúde e assistência social.
Na Ufes, o Laboratório de Análises Geográficas, Demográficas e da População (Lagedep) se dedica a essa temática nas suas diversas perspectivas. Para o Espírito Santo, os dados do Censo 2022 permitirão analisar os impactos da pandemia e da privatização da Petrobras, que tem reduzido sua operação no estado, a consolidação da presença da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) no litoral norte e outras mudanças na dinâmica familiar e migratória.
“O grande diferencial do Censo, em relação a todas as outras pesquisas, é o nível de detalhamento que proporciona. Ele permite conhecer o país inteiro em todas as áreas e suas peculiaridades. O censo divulga dados representativos de todos os 5.568 municípios do Brasil, seja um município dentro de uma região metropolitana ou uma comunidade pequena do interior, permitindo uma leitura das especificidades de cada lugar do país”, detalha o professor e coordenador do Lagedep, Ednelson Dota.
A privatização da Petrobras, por meio das vendas de ativos, e sua saída do Espírito Santo têm impactado os movimentos populacionais e causado grandes prejuízos com a diminuição de royalties, arrecadação fiscal, empregos, salários e projetos socioambientais. O norte do estado, onde estão os campos terrestres da empresa e de terceirizadas, está sendo o mais impactado. O professor lembra que o Espírito Santo é o terceiro maior estado produtor de petróleo e o quarto em gás natural do país.
“A privatização da empresa e a transferência da unidade de operação para o Rio de Janeiro terão efeitos relevantes para o estado. Já está afetando a economia, a migração, o mercado de trabalho e o setor habitacional. Não sabemos exatamente se o censo demográfico, que está em execução, vai identificar esse impacto”, explica Dota.
O professor lembra ainda que, na década de 2000, houve um crescimento econômico e migratório considerável para o estado, em particular para a Região Metropolitana da Grande Vitória e para a região costeira norte, por causa do desenvolvimento das atividades petrolíferas, o qual provocou impactos significativos sobre a organização do espaço regional do estado. Agora, ocorre um movimento contrário.
“Naquela época, assistimos a uma movimentação considerável da população e um deslocamento de trabalhadores da cadeia do petróleo dentro do estado, levando em consideração que a empresa atua de forma integrada e especializada na indústria de óleo e gás natural e contratou serviços diversos de empresas locais”, reforça o professor.
Sudene
Para esta edição do Censo, há ainda a expectativa de verificar os efeitos dos investimentos da Sudene no litoral norte, em um período mais estendido. Dota comenta que “a Sudene chega em 2008 no Espírito Santo, nos municípios ao norte do Rio Doce, e os dados do Censo de 2010 não detectaram os efeitos nos municípios, porque eram muitos recentes. A partir dessa data, os municípios dessa região receberam muitas empresas e indústrias de grande porte, principalmente os litorâneos, com destaque para Linhares e São Mateus. Agora vamos enxergar os efeitos desses grandes investimentos”.
A Superintendência, composta por todos os estados da região Nordeste do Brasil, além de 249 municípios de Minas Gerais e 31 do Espírito Santo, tem o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável, visando à diminuição de desigualdades entre as regiões do país.
O professor pretende verificar se o aumento da economia nos municípios contemplados pela Sudene está gerando desenvolvimento de fato, bem como qualidade de vida para as pessoas ou não. “O crescimento econômico acontece quando se tem um aumento da produção e da riqueza gerada, mas, se isso não virar investimento social, não melhora em nada a qualidade de vida da população”, enfatiza.
Migra-família
Dentre as pesquisas que o Lagedep está desenvolvendo, destaca-se a migra-família, que consiste em fazer uma análise das relações entre as mudanças na mobilidade residencial e nas famílias dentro das grandes cidades. “Queremos entender de que forma as mudanças nas famílias, como a redução no número de filhos, o aumento das famílias monoparentais – que são formadas por um progenitor e seus filhos –, a postergação do casamento, o crescimento do número de pessoas morando sozinhas nos domicílios e o aumento dos casais sem filhos, tiveram efeitos no fluxo migratórios nas cidades. O objetivo é compreender como essas mudanças estão formando novas composições territoriais”, explica Dota.
O professor analisa que essas mudanças impactam também na forma como as pessoas vivem a cidade, bem como na necessidade de se realocarem pelo espaço ao longo do tempo e, portanto, como transformam a própria dinâmica de crescimento e expansão das cidades. “Essas mudanças, que são importantes do ponto de vista demográfico e comportamental reprodutivo, também requerem modificações nas políticas de quem cuida e de quem pensa as cidades. Não dá para a gente, neste momento, continuar com políticas de 20 ou 30 anos atrás, porque elas são incompatíveis com a nossa atual realidade”, completa.
O Lagedep busca compreender como as mudanças na dinâmica das famílias afetam o padrão migratório no Brasil, observando dados dos censos desde os anos 1990, para verificar padrões e transformações.
Atraso
Sobre o atraso de dois anos na realização do Censo, o professor ressalta que há um ponto negativo e outro positivo. O negativo é a quebra do intervalo padrão de dez anos, justamente porque existe uma série de indicadores de políticas públicas que dependem desses dados. “E quanto mais distantes ficamos do Censo anterior, mais desatualizados ficam esses dados para fazer estimativas e projeções. Essa distância compromete as informações. Por exemplo, uma série de políticas públicas desenvolvidas nos anos 2021 e 2022 tiveram como indicadores os dados de 11 ou 12 anos atrás, que estão defasados”, explica.
Por outro lado, Dota ressalta que o atraso possibilitará analisar com muita propriedade e com proximidade de tempo os reais efeitos da pandemia de covid-19. “Essa talvez seja a grande expectativa, que é enxergar realmente e com detalhamento os impactos socioeconômicos causados na população brasileira devido à pandemia”.
Outra expectativa é conhecer as mudanças demográficas intensificadas pela crise sanitária. “A migração varia muito a partir de conjunturas e estruturas sociais. Quando se tem um grande choque, como o provocado pela pandemia, é possível que tenham ocorrido grandes alterações na migração. Estudos anteriores produzidos pelo laboratório mostraram que, quando ocorre uma grande crise econômica, por exemplo, isso pode provocar uma migração, em busca de uma melhoria no trabalho ou na habitação. Quando a crise se alastra, há uma tendência de a pessoa permanecer onde está. Se o risco do insucesso for muito grande, o volume de migrações pode diminuir. Vamos verificar e estudar essas movimentações migratórias com os dados do Censo”, ressalta o coordenador do Ladegep.
Para a elaboração de políticas públicas, serão essenciais os dados sobre saneamento básico, moradia, renda, composição familiar, escolaridade, entre outros. “Precisamos efetivamente identificar quais são os pontos que precisam ser trabalhados para que o país consiga avançar. O censo tem o papel fundamental para identificar esses pontos. A gente vem de um período de crise desde 2015, um período muito duro. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) permite acompanhar poucos resultados dessa crise, mas como os dados são agregados por unidade da Federação e regiões metropolitanas, não conseguimos ter uma leitura das outras parcelas do país, de como se comportou a questão do emprego e das políticas públicas, por exemplo. O Censo vai proporcionar uma leitura detalhada de tudo o que aconteceu desde 2010, e então conseguiremos fazer uma avaliação detalhada sobre o desenvolvimento socioeconômico do país”, finaliza.
O Lagedep
Vinculado ao Departamento de Geografia da Ufes, o Lagedep integra pesquisadores, professores e estudantes da Ufes, além de outras instituições, como autarquias de pesquisa, organizações governamentais e da sociedade civil, que produzem e analisam dados econômicos e sociodemográficos. “Trabalhamos em diversas frentes, a partir do olhar da geografia da população em temas como migração, políticas públicas e sociais, saúde e economia, estudos sobre grupos vulneráveis, por exemplo, população em situação de rua e tradicionais, como indígenas e quilombolas. Dialogamos também com outras ciências, como a Demografia, a Antropologia, a Economia, a Psicologia, a Sociologia”, detalha Dota.
O laboratório está dividido em quatro grupos temáticos: Geografia da população, demografia e grandes bancos de dados, coordenado pelo professor Dota; Grupos populacionais em situação de vulnerabilidade, pelo professor Igor Robaina; Geografia da saúde, pelo professor Rafael Catão; e Trabalho de risco de vida e sobrevivência dos bombeiros, pela professora Eliana Zandonade.
Outro objetivo do laboratório é contribuir com a sociedade civil organizada e instituições públicas e privadas, fornecendo informações atualizadas e análises estruturais e conjunturais para serem usadas no planejamento organizacional ou na avaliação e no planejamento de políticas públicas.