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Ufes comemora condenação de autores de crimes de racismo contra professor

.”Não há dúvidas de que a presente condenação reflete uma conquista histórica para a luta contra o racismo no Espírito Santo”, diz o professor universitário Gustavo Forde | Foto: Arquivo/Assembleia Legislativa do Espírito Santo

Em comunicado em seu site oficial, a Ufes disse que é “com sentimento de reparação que a Administração Central da Ufes recebe a decisão da Justiça Estadual, por meio da 4ª Vara Criminal de Vitória, que condenou os autores de crime de injúria racial praticados contra o professor do Centro de Educação e pró-reitor de Políticas Afirmativas e Assistência Estudantil da Universidade, Gustavo Forde.

Os condenados, segundo o processo 0022305-09.2020.8.08.0024, ajuizado pelo Ministério Público do Espírito Santo em 17 de dezembro de 2020, são Antônio Jacimar Pedroni e Kneededi Fabricio dos Santos. A pena, dada pela juíza Gisele Souza de Oliveira, da 4ª Vara Criminal, compreende prisão em regime aberto de um ano e três meses e o pagamento de cinco salários mínimos (R$ 6,6 mil), além de prestação de serviços à comunidade. O processo tem como assunto “Direito Penal – Crimes Previstos na Legislação Extravagante – Crimes Resultante de Preconceito de Raça ou de Cor”.

Ufes comemora

“A Administração Central da Ufes enaltece a decisão judicial, que demonstra que crimes desta natureza não ficarão impunes, e manifesta sua solidariedade ao professor Gustavo Forde, repudiando toda forma de discriminação, seja religiosa, racial e de gênero, considerando a importância pelo respeito às diferenças que compõem a formação social no Brasil”, diz a Ufes no seu comunicado.

“Mais que isso, a Universidade reafirma seu compromisso de continuar e aperfeiçoar sua trajetória na luta pelo fim de todos os tipos de desigualdades sociais, em especial pelo fim de qualquer forma de racismo”, prosseguiu a instituição de ensino federal.

Para Gustavo Forde, a decisão da Justiça Estadual do Espírito Santo inaugurou um marco histórico na forma de enfrentamento ao racismo e aos crimes raciais. “Quase sempre, os crimes raciais têm sido registrados e julgados como crimes de ofensa à honra pessoal (injúria) em detrimento do entendimento de ser um crime que afeta a populaçao negra deste país. Não há dúvidas de que a presente condenação reflete uma conquista histórica para a luta contra o racismo no Espírito Santo. Desde já, meu agradecimento para todas as pessoas com as quais caminhamos juntas ‘ombro a ombro’ para obtermos esta vitória”, afirmou o professor.

Entenda o caso

Os ataques racistas contra o professor Gustavo Forde ocorreram após a publicação de uma entrevista concedida ao jornal A Gazeta em abril de 2019, na qual destacou-se o lançamento do livro Vozes Negras na História da Educação: Racismo, Educação e Movimento Negro no Espírito Santo (1978-2002), de autoria do professor, e foram abordados assuntos como o protagonismo do movimento negro, o racismo institucionalizado, e a constituição da sociedade e da educação em nível estadual e nacional. Após a divulgação da entrevista, Forde foi vítima de comentários racistas na internet, que colocavam em cheque sua competência.

Leia trechos de depoimentos que constam no Processo

Respondendo às perguntas do MP: Que sim, que assinou, ratificando todos os termos da notícia crime; Que no final de 2018 publicou um livro, que foi resultado da sua tese de doutorado; Que este livro recebeu um prêmio pela Cultura do Espírito Santo; Que o lançamento deste livro foi em março de 2019, perdurando até maio/junho de 2019; Que foram vários meses fazendo o lançamento por vários municípios; Que tão logo fizeram o primeiro lançamento no auditório da UFES, foi convidado para TV Gazeta para conceder uma entrevista;

Que, originalmente, esta entrevista foi publicada na edição de domingo, ocupando uma página inteira; Que foi uma entrevista que teve uma grande repercussão, fazendo com que fosse publicada no Gazeta Online, alcançando o Facebook; Que estava em um evento em Brasília, quando começou a receber várias ligações de pessoas conhecidas, perguntando o que estava acontecendo com o seu nome no Gazeta Online;

Que se retirou de uma reunião e acessou a rede social, vendo um conjunto de agressões e violências dirigidas à sua pessoa, marcadamente pelo fato de ser um docente e pesquisador negro; Que foram muitas mensagens agressivas e violentas; Que confessa não ter conseguido ler tudo que estava escrito; Que no dia seguinte retornou para Vitória;

Que foi quando conseguiu ler quase todas as mensagens que estavam lá, em especial a do Antônio Jacimar, a do Kennedi e a do Wagner Santos, que foram muito duras e agressivas;  Que foram momentos muito difíceis […]; Que precisou acolher os seus filhos, que se sentiram muito afetados, com tudo que foi dito sobre o pai deles, nas redes sociais; Que muitos ex-alunos, amigos, sentiram-se agredidos; Que muitas pessoas negras, pelo depoente desconhecidas, também foram solidárias, compartilhando da mesma dor e do mesmo sofrimento;

Que sofrimento diz respeito a nossa humanidade; QUE AS PESSOAS RACISTAS QUEREM TIRAR A NOSSA HUMANIDADE; QUE MESMO NÃO LENDO A ENTREVISTA QUE DEU, O MANDARAM “VOLTAR PARA ÁFRICA”; QUE QUEREM QUE SE RETIRE DO MEU PAÍS; QUE LHE CHAMARAM DE PESSOA IMUNDA E FEDORENTA; QUE DISSERAM QUE OS RESULTADOS EDUCACIONAIS SÃO RUINS POR CAUSA DE PESSOAS COMO O DEPOENTE; QUE ISSO É DE UMA AGRESSÃO MUITO GRANDE; QUE DEPOIS DE TODA UMA CARREIRA, COMO PROFESSOR DA REDE ESTADUAL, PROFESSOR DA UFES, COM MESTRADO, COM DOUTORADO, COM VÁRIAS PUBLICAÇÕES ACADÊMICAS, RESPEITADO NO MEIO ACADÊMICO, AS PESSOAS OLHAM PARA O DEPOENTE, ATRAVÉS DE UMA FOTO PUBLICADA NO JORNAL, E MANDAM “VOLTAR PARA A ÁFRICA”, PARA “VAZAR”, OLHA “O CABELO DELE”, OLHA “A BARBA” DELE; QUE, POR ISSO, A NOSSA EDUCAÇÃO ESTÁ ASSIM;(caixa alta assinalada no processo)

Que nunca teve contato com estas pessoas; Quem deu a elas o direito de violar a sua dignidade humana; Que isso é muito doloroso; Que imaginou que isso não voltaria acontecer, que foi a mesma situação vivida durante toda sua infância, de ser xingado de “macaco”; Que não imaginou que sofreria racismo, hoje, mesmo sendo um pesquisador, mesmo sendo Pró-reitor da Universidade Federal do Espírito Santo, as pessoas não reconhecem a nossa humanidade e nos tratam como bicho, como pessoa de menor valor social;

Que tem mestrado e doutorado em Educação e é licenciado em Matemática; Que pede desculpas em caso de ter se exaltado o seu tom de voz, mas esta situação mexe profundamente com o depoente, pois são muitas cicatrizes que carrega; Que não tem nenhuma dúvida que incomoda o fato de um homem negro conceder uma entrevista na página de domingo do maior jornal de circulação do Estado, e que nessa entrevista sua foto ocupou um espaço significativo, não tem a menor dúvida que a presença da população negra incomoda estas pessoas;

Que estas pessoas não os querem ocupando estes espaços socialmente qualificados; Que fala “nós”, pois as agressões que fizeram não foram só para o Gustavo; Que o que deu para entender ali é que, nós negros, não somos bem-vindos; Que nós não somos bem-vindos por eles no nosso país; Que incomoda bastante; Que a partir de toda sua experiência de vida e de produção acadêmica, pode afirmar que, quanto mais homens e mulheres, negros e negras, possuem uma ascensão econômica, maior é a violência do racismo;

Que quanto mais ocupam espaços de poder, espaço de visibilidade, espaço de destaque na sociedade, mais forte é o racismo contra nós; Que isso é muito doloroso; QUE A PRIMEIRA DAS OFENSAS LHE DOEU COMO PAI; Que grande foi a preocupação e o esforço para acolher os seus filhos; Que agradece a vida por ter lhe dado serenidade e energia para acolher os seus filhos, no olho desse furacão […]; Que ao mesmo tempo que os acolheu, foi acolhido por eles; Que ouviu deles: “pai, denuncia”; Que, com lágrimas nos olhos, pediram-no isso; QUE COM RELAÇÃO A SI, PODE DIZER QUE NÃO RESOLVEU ESTE PROBLEMA;

Que sempre teve participação ativa nas redes sociais; Que depois desta experiência não consegue mais; Que tem quase três anos que não tem participação ativa nas redes sociais; Que tem feito terapia, e isso tem o ajudado muito; Que por mais que tenha estudo e militância, reconhece não estar imune à violência do racismo; Que mesmo sendo pesquisador do campo, sentiu-se fragilizado, exposto, vulnerável; Que andava pelas ruas e as pessoas o identificavam por tudo isso que aconteceu;

Que apesar de tudo, é muito grato a um conjunto de pessoas, muitas delas desconhecidas pelo depoente, que saíram em sua defesa nas redes sociais; Que isso foi muito fortalecedor; Que ex-alunos, amigos, a comunidade negra saíram em sua defesa; Que pode dizer, de coração aberto, que eles lhe deram “colo”;Que foi acolhido; QUE hoje seus filhos tem 23 anos o mas velho e 18 a mais nova; Que a terapia se iniciou após as injúrias; Que buscou terapia pois passou a ter receio de exposição; Que começou a evitar convites para algumas palestras; Que passou a evitar situações que ficasse em exposição […];

Que antes as exposições eram naturais, inclusive confortáveis, mas passaram a não ser, por ter sua saúde mental comprometida; Que sim, que amargou prejuízos financeiros, além dos danos psicológicos, ao recusar um conjunto de atividades sociais e profissionais, como palestras, cursos, entrevistas; QUE COM RELAÇÃO AO COMENTÁRIO DO WAGNER (LIGADO A SUA HIGIENE), SENTIU-SE UMA PESSOA SUJA, UMA PESSOA FEDIDA, UMA PESSOA FEIA; Que ele disse tudo aquilo que é considerado ruim na sociedade;

Que está usando a mesma barba e o mesmo cabelo daquela época; Que ele disse que o depoente é uma pessoa imunda, por conta da sua barba e do seu cabelo; Que a construção da nossa autoestima, nós negros, é muito ignorada; Que demora muito para construirem uma autoestima positiva; Que é diferente das pessoas brancas, que recebem elogios durante a vida toda, nas creches, escolas, na televisão; Que nós negros demoramos a ter orgulho do nosso cabelo, pois a vida toda escutamos que é de “pico, duro, de bombril”;