Uma recente pesquisa realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Ufes (PPGG/Ufes) avaliou os riscos impostos pelos escorregamentos no município de Vitória, traçando uma associação com a população que está em vulnerabilidade social. O estudo identificou que as chuvas são o principal deflagrador para a ocorrência dos deslizamentos de terra, calculou as probabilidades de cada bairro ser palco de escorregamentos translacionais em diferentes períodos e construiu um inventário de movimento de massas da capital, fazendo uma estimativa de risco para as áreas da cidade.
A pesquisa, intitulada Análise de risco de escorregamentos translacionais em Vitória, ES – Brasil, foi produzida durante o doutoramento de Júlia Effgen e aborda a questão de os diferentes usos dos terrenos serem cruciais para inibir ou favorecer deslizamentos de terra, por meio da existência de florestas e da ocupação urbana, respectivamente.
Deslizamentos
No trabalho, Effgen lembra que a região Sudeste concentra o maior número de desastres relacionados a deslizamentos de terra no Brasil e observa que o tipo de escorregamento mais recorrente em Vitória (89% dos casos observados entre 1999 e 2017) é o translacional, aquele no qual a superfície de ruptura acompanha alguma descontinuidade do terreno, ou seja, o deslizamento surge ao longo de uma diferença de materiais (entre solo e rocha, por exemplo) e se desloca para baixo e para fora da encosta, em alta velocidade.
Sob orientação do professor Eberval Marchioro, do PPGG, o estudo mostrou que as regiões administrativas de Vitória que registraram as maiores incidências de deslizamentos são Jucutuquara (225 casos), Maruípe (111), São Pedro (73) e Santo Antônio (70), todas localizadas ao redor do Maciço Central do município. Maciço Central de Vitória é o nome da formação conhecida como Morro da Fonte Grande, que abriga diversas áreas de proteção ambiental e pontos turísticos, como a Pedra dos Olhos, o Parque Estadual da Fonte Grande, a Gruta da Onça e o Vale do Mulembá.
Por outro lado, as áreas menos atingidas são Jardim Camburi (quatro casos) e Jardim da Penha (um caso). A região de Goiabeiras não apresentou registros no período analisado.
Vulnerabilidade e racismo ambiental
A pesquisa também apresenta o Índice de Vulnerabilidade Social (SoVI) de Vitória, demonstrando que áreas menos vulneráveis estão concentradas nos bairros a leste do Maciço Central, próximas ao litoral, enquanto os locais mais vulneráveis estão associados ao Maciço Central, manguezais e às colinas costeiras. O SoVI é composto por 10 fatores derivados de informações do Censo Demográfico de 2010, dentre os quais estão nível de renda, raça, idade e estrutura das moradias (saneamento básico) da população.
Effgen verificou que existe, em Vitória, uma sobreposição entre áreas socialmente mais vulneráveis e a maior frequência de deslizamentos de terra: “Uma explicação possível para isso é o racismo ambiental, já que as áreas mais vulneráveis abrigam uma parcela considerável de pessoas pardas e pretas. Esse é um processo verificado nacional e internacionalmente, fruto de processos históricos de exclusão e falta de acesso à moradia em áreas seguras”.
A região da Praia do Canto, que apresenta uma das melhores infraestruturas do município, teve vulnerabilidade social variando entre média e muito baixa. O setor identificado como de menor vulnerabilidade no município é o da Ilha do Frade, que apresenta a maior renda per capita da capital (R$ 9.722).
Já as regiões de maior vulnerabilidade social estão associadas ao Maciço Central, como Romão, Cruzamento e Conquista; às colinas costeiras, a exemplo de Gurigica, Jesus de Nazareth e São Benedito; e às zonas de aterros em manguezais, como Nova Palestina, Maria Ortiz e Ilha de Santa Maria.
Probabilidade
Com base nas ocorrências registradas entre 1999 e 2017, Effgen listou os bairros que apresentam maior ou menor probabilidade de ter escorregamento translacional. Gurigica (56 ocorrências); Forte São João (46);São Benedito (27); e Consolação (25) são as regiões mais propensas. Os bairros de áreas planas, como Praia do Suá, Santos Reis, São Pedro e Vila Rubim (com um registro cada) são os que têm menos probabilidade.
“A identificação de agrupamentos de movimentos de massa com base em inventários pode servir, num primeiro momento, para a orientação de ações emergenciais de contenção e reparação. Posteriormente, os agrupamentos podem se tornar focos de atenção para o poder público”, declara a pesquisadora.
Abordagem
Effgen pesquisa movimentos de massa desde 2015, quando passou a atuar no Laboratório de Monitoramento e Modelagem de Sistemas Ambientais (Lamosa), visando entender os fenômenos e como eles se distribuem na paisagem.
“No doutorado, expandi minha abordagem para quem são as pessoas afetadas: quem é mais propenso a sofrer danos e perdas, onde moram, as características demográficas e os processos históricos locais que ajudam a explicar o risco atual. Conhecer as áreas de risco de um local permite uma melhor preparação, gerenciamento e redução dos riscos, tornando a sociedade mais resiliente e menos vulnerável a perdas e danos”, conclui.