“Existe uma relação direta entre feminicídio, negativa de medida protetiva e morte de mulheres negras, porque nos estados onde há um aumento de feminicídio, há também um número elevado no percentual de negativa de medida protetiva”. Esta é a conclusão à qual chegou Rosely Pires, professora da Ufes, após um estudo baseado em dados coletados entre 2015 e 2021 e divulgados em 2022 pelo Fórum de Segurança Pública, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Instituto Maria da Penha (IMP), e pelo Instituto Avon.
Para realizar o estudo, Pires, que é coordenadora geral do programa de extensão Fordan: Cultura no Enfrentamento às Violências, analisou os casos de feminicídio registrados nos estados da Bahia, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão e Espírito Santo, além do Distrito Federal, e fez um cruzamento entre as informações divulgadas pelos órgãos, os dados constantes no Fórum de Segurança Pública de 2022 e o indeferimento de solicitação de medidas protetivas de urgência (MPU).
Durante a pesquisa, Pires observou que, no Rio Grande do Norte, houve um aumento de 53,8% nos casos de feminicídio e uma taxa de 10,08% de indeferimento da medida de proteção. O Distrito Federal apresentou aumento de 47,1% do crime, com indeferimento de 15,79% da medida. Já no Espírito Santo, os registros de feminicídio tiveram uma alta de 46%, com 8,49% de indeferimento de medida protetiva.
De acordo com a pesquisadora, o grupo que mais sofre com este crime é o composto pelas mulheres negras das periferias. O estudo mostrou, por exemplo, que, das vítimas de feminicídio no Rio Grande do Norte, 88% eram mulheres negras e, no Distrito Federal, 67%. Já no Espírito Santo, 85% das mulheres assassinadas foram negras moradoras de periferias.
“Os dados mostram que a mulher que está morrendo porque não estão dando a medida protetiva é a mulher negra. A mulher negra periférica não consegue formalizar uma denúncia pessoalmente por não ter dinheiro para se locomover, e não tem condições de fazer pelo computador, porque ela não tem acesso à internet. Os dados divulgados pelos órgãos seguem a mesma linha de denúncias feitas constantemente pelo Fordan”, avalia a coordenadora, que é doutora em Ciências Jurídicas e Sociais.
Por outro lado, Pires observou que estados nos quais houve diminuição das taxas de feminicídio foram os que tiveram maior número de medidas protetivas deferidas. É o caso da Bahia, que registrou uma queda de 22,8% do crime e 3,93% de indeferimento de medida protetiva; do Mato Grosso, com indeferimento de 2,47% de medida e diminuição de 30,6% de feminicídio; Mato Grosso do Sul, que apresentou queda de 14% do crime e indeferimento de 1,63% da medida; e Maranhão, que apresentou redução de 13,8% de feminicídio e um indeferimento de 1,87% de medida protetiva.
Proteção da vida
Medidas protetivas de urgência são mecanismos legais que visam proteger a integridade ou a vida de mulheres em situação de risco, devendo ser apreciados pela justiça em até 48 horas. Dentre os dispositivos previstos na Lei Maria da Penha, estão o afastamento do agressor do lar; a proibição de aproximação e contato entre ofensor e vítima; e a restrição do porte ou suspensão da posse de armas.
Por meio do telefone 180, mulheres de todo o país que estejam em situação de violência podem entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher, que registra e encaminha as denúncias aos órgãos competentes. Mulheres capixabas têm, ainda, o Disque 190, canal da Defensoria Pública do estado que recebe solicitações de medidas protetivas de urgência.
Programa de extensão
O Fordan: Cultura no Enfrentamento às Violências é um programa de extensão ligado ao Centro de Educação Física e Desportos (CEFD), no campus de Goiabeiras, que está em atividade desde 2005 e conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Espírito Santo (Fapes).
O programa possui uma equipe multidisciplinar composta por advogados, psicanalista, artistas, bailarinos, fisioterapeutas, assistentes sociais, músicos e pedagogos que atuam na região de São Pedro, em Vitória, com foco no enfrentamento da violência, acolhendo não só mulheres em vulnerabilidade, mas toda a família. “A maioria das mulheres que sofrem violência doméstica são pretas e pobres”, constata a criadora e coordenadora geral do programa.
Este ano, o Fordan lançará um aplicativo para facilitar as denúncias de violência contra mulheres negras e de periferia. Por meio das páginas no Instagram e no Facebook, é possível conhecer as ações e atividades realizadas.