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UFF debate o impacto social e econômico do vício nas bets pelos brasileiros


A Universidade Federal Fluminense (UFF) lembra que legislação busca regular o setor equilibrando os interesses econômicos e a proteção aos cidadãos


UFF debate o impacto social e econômico do vício nas bets pelos brasileiros | Imagem: UFF/Apuestas Collegio

O crescimento das casas de apostas online no Brasil impacta diretamente no consumo e na renda das famílias brasileiras. A facilidade de acesso e a promessa de ganhos rápidos atrai um número crescente de brasileiros, que, de acordo com um levantamento do Itaú, já gastaram cerca de 68 bilhões em jogos virtuais.

Na mesma pesquisa, estima-se que 0,22% do PIB foi destinado a apostas online nos últimos 12 meses. Esse avanço demonstra que, à medida que as bets disputam espaços com outras formas de consumo, a renda disponível para educação, saúde e lazer torna-se cada vez mais comprimida.

Segundo o professor do Departamento de Sociologia e Metodologia e Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcelo Pereira de Mello, os impactos são mais sentidos nas classes sociais mais baixas:

“O tipo de jogo conhecido como bet,  acessível por aparelhos celulares, tem seu nicho de exploração entre os mais pobres, pela facilidade de acesso e ausência de empecilhos legais e burocráticos de controle. Esse apostador contumaz, geralmente das classes mais desfavorecidas, tende a encarar a aposta como investimento e acredita que ‘investindo’ pouco dinheiro pode multiplicá-lo. Quando essa perspectiva (‘investimento’) associa-se a um comportamento compulsivo, torna-se a fórmula perfeita para o vício e o comprometimento da renda familiar”, afirma.

Esse cenário afeta, não apenas a situação financeira das famílias, mas também a saúde mental dos envolvidos. O ciclo vicioso de apostas pode levar ao desenvolvimento de sintomas de ansiedade, frustração e desesperança, à medida que as perdas se acumulam e as promessas de ganhos nunca se concretizam. De acordo com uma pesquisa do Instituto Locomotiva, 51% dos brasileiros que apostam sentem aumento de sintomas ansiosos.

Além disso, a pesquisa revela que 42% desse público usam esse vício como uma fuga ilusória das dificuldades cotidianas, mas, ao invés de aliviar o estresse, aprofunda-o com sensações de impotência e isolamento.

Impactos socioeconômicos

Os jogos de azar representam um risco à sociedade ao atuarem como facilitador para o desenvolvimento de vícios. “Os jogos de aposta e diversão, com promessa de recompensa monetária por acertos, não constituem um mal em si, mas trata-se de uma atividade que pode afetar potencialmente a vida de milhares de apostadores com tendências ao vício. É como o uso de drogas, por analogia. Muitos podem experimentar e usar drogas recreativas sem alterar suas rotinas e compromissos. Outros tantos, porém, apresentarão tendências ao vício”, acrescenta o professor da UFF.

Mello ainda considera frágeis as formas de proteção ao apostador na proposta de regulamentação do setor. “As medidas (de proteção) basicamente ficam restritas a grupos de apoio da sociedade civil, tais como Jogadores Anônimos, entre outros. A legislação apresentada até aqui pouco diz a respeito de controles de acesso aos sites de apostas. Da forma como está, até menores de idade podem driblar as exigências, meramente declaratórias, para realizarem apostas”.

Algumas medidas já visam controlar a atuação de influenciadores digitais na propaganda desse tipo de conteúdo. A professora do Departamento de Direito Privado da UFF, Daniela Juliano Silva, destaca a necessidade de se preservar os grupos mais vulneráveis. “O papel dos órgãos de fiscalização e a punição de quem promove jogos proibidos deve ser exemplar. Nesta semana, chamou atenção a denúncia feita pelo Instituto Alana ao Ministério Público de São Paulo contra a Meta, após a identificação de dez perfis de influenciadores mirins (entre 6 e 17 anos), promovendo sites de apostas. É um público hipervulnerável a esse tipo de serviço e essa forma de divulgação fere, inclusive, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Silva acrescenta que a empresa, para obter autorização de funcionamento, deve demonstrar que possui um código de conduta e de difusão de boas práticas de publicidade e propaganda, bem como demonstrar que integra ou está associada ao organismo de monitoramento da publicidade responsável.

“Nessa medida, cito o trabalho feito pelo Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (CONAR) na construção de um documento com regras específicas para a publicidade de apostas, incluindo, dentre inúmeras orientações, a necessidade de constarem advertências obrigatórias com mensagens de jogo responsável, tais como ‘jogue com responsabilidade’ ou ‘apostas são atividades com riscos de perdas financeiras’”.

Os efeitos negativos das bets provocaram reações contrárias à divulgação descontrolada, como a campanha #Apostasmatam, divulgada pelo influenciador digital Felipe Neto – um dos maiores influenciadores digitais da atualidade. Para Mello, o ativismo digital é um dos meios que pode ajudar a sociedade civil na promoção do discernimento dos potenciais apostadores.

“A mobilização de influenciadores como Felipe Neto certamente tem seu lugar e sua importância, especialmente por sua penetração entre os jovens. Entretanto, não basta este ativismo para contrapor-se à avalanche de estímulos e propaganda massiva das casas de apostas online. Não há, até o momento, restrições à publicidade desses jogos, quando deveriam seguir a mesma legislação que regula a publicidade de cigarros e bebidas alcoólicas. A sociedade terá de pressionar o governo e os parlamentares caso queira avançar sobre o controle da prática social dos jogos de azar”, analisa o docente.

Cenário jurídico: o avanço na regulamentação

Em agosto, mais de cem novos pedidos de autorização de funcionamento de empresas do meio foram realizados ao Ministério da Fazenda. Já no Senado, a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) realizou uma audiência pública para debater temas relacionados à regulamentação dos jogos de azar. Para a docente da UFF, ainda que a legislação inicial tenha focado na área econômica, outros aspectos também foram contemplados.

“Fica claro, nesse primeiro momento, o viés arrecadatório da lei, uma vez que não havia qualquer contrapartida em termos de pagamento de tributos ao país. Mas a preocupação não é só tributária, mas também com o tipo de governança dessas empresas, exigindo a adoção e implementação de políticas de controle interno focadas, principalmente no jogo responsável e na prevenção do jogo patológico, bem como na integridade das apostas e prevenção à manipulação de resultados e outras fraudes”, explica Silva.

Entre perspectivas econômicas e sociais, os defensores da proposta argumentam que a medida poderia gerar até R$ 20 bilhões em receita anual e criar cerca de 700 mil empregos diretos e indiretos, enquanto os críticos alertam para os riscos de aumento da ludopatia, o jogo compulsivo, e para os possíveis efeitos negativos sobre as comunidades mais vulneráveis.

Quem são os entrevistados:

Marcelo Pereira de Mello é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG (1984), com mestrado em Sociologia pela Sociedade Brasileira de Instrução – SBI/IUPERJ (1988) e doutorado em Ciência Política (Ciências Humanas) pela Sociedade Brasileira de Instrução – SBI/IUPERJ (1996). Tem experiência nas áreas de pesquisa e ensino de Sociologia e Ciência Política, com ênfase em teoria e metodologia. É um dos fundadores do Programa de Pós Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Fundador da Associação Brasileira de Sociologia do Direito (ABRASD). Professor Titular da Universidade Federal Fluminense. Tem realizado pesquisas e escrito sobre os seguintes temas: história e sociologia dos jogos de azar, cultura legal, direito, justiça, teoria sociológica, meio ambiente e políticas públicas,acesso à justiça, imigração e fluência cultural.

Daniela Juliano Silva é doutora e Mestra em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia/MG. Especialista em Gestão e Manejo Ambiental pela Universidade Federal de Lavras/MG (2006), com MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ (2002). Advogada com experiência em organizações do Terceiro Setor. É Professora Adjunta na Universidade Federal Fluminense (2020) e Professora convidada da FGV DIREITO RIO (LL.M Compliance).

Texto: Comunicação da UFF