O Brasil faz parte da avaliação da Unesco, que aponta a falta de teto para os valores das mensalidades nas escolas de ensino médio particulares e gastos exorbitantes em faculdades privadas. Esses valores abusivos dos empresários do ensino deixam os alunos do ensino superior endividados, diz a Unesco
O novo Relatório Global de Monitoramento da Educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), aponta que 350 milhões de crianças frequentam escolas particulares em todo o mundo. O documento foi divulgado nesta semana e o Brasil é um dos países que saíram mal na avaliação da Unesco. “O estudo alerta que, em muitos países, a falta de regulamentação adequada da educação privada prejudica a qualidade e aumenta o abismo educacional entre ricos e pobres”, diz a entidade da ONU para a educação.
A Unesco afirma que o Brasil não é uma delas. Ao lado de metade dos países da região, o sistema brasileiro não tem regulamentação nos procedimentos para admissão de alunos em escolas não-estatais. Somente cinco países latinos têm cotas para melhorar o acesso às instituições. A consequência, segundo os levantamentos da agência da ONU, é que os núcleos familiares nos países menos desenvolvidos gastam parcelas desproporcionais de sua renda para educar os filhos.
No Brasil não há teto de gastos com educação
No Brasil, não há um teto de gastos com educação infantil e nem regulamentação de mensalidades de educação primária e secundária, como ocorre em cerca de dois terços dos países da região, aponta o estudo da Unesco. “Com ensino superior altamente privatizado, os custos de empréstimos deixam muitos alunos endividados e os pagamentos têm alto nível de inadimplência”, prossegue a entidade internacional vinculada à ONU.
“Segundo o estudo da Unesco, mais de 40% dos contratos de empréstimos estudantes brasileiros, na fase de amortização, estavam com pelo menos três meses de atraso, o suficiente para prejudicar a reputação de crédito dos mutuários. O relatório analisou entidades não-estatais em todos os sistemas educacionais, desde escolas administradas por organizações religiosas, ONGs, organizações filantrópicas e entidades comerciais com fins lucrativos, assim como todos os envolvidos no fornecimento de serviços para o setor de educação”, informa a entidade.
Abismo entre ricos e pobres e proibição do lucro
No entanto, o estudo alerta que, em muitos países, a falta de regulamentação adequada da educação privada prejudica a qualidade e aumenta o abismo educacional entre ricos e pobres. De acordo com o documento, muitos países permitem que escolas funcionem sem qualquer fiscalização. A publicação revela que 41% das 42 nações analisadas na América Latina e no Caribe proíbem o lucro com escolas primárias e secundárias, por ir contra o objetivo de oferecer pelo menos 12 anos de educação gratuita para todos. E foi reiterado que o Brasil não tem regulamentação para acesso à essas escoladas de empresas privadas.
A consequência, segundo os levantamentos da agência da ONU, é que os núcleos familiares nos países menos desenvolvidos gastam parcelas desproporcionais de sua renda para educar os filhos. Enquanto em economias de baixa e média rendas as famílias são responsáveis por 39% dos gastos com educação, nas de renda alta esse número cai para 16%. Na América Latina, as famílias brasileiras respondem por 28% dos gastos, no Haiti o valor sobe para 81%.
Custos ocultos
Além dos custos com as aulas, o relatório demonstra que a educação pública em países de baixa renda ainda acarreta gastos ocultos consideráveis. Uma análise de 15 países de baixa e média renda, incluindo quatro da América Latina, mostra que uniformes e materiais escolares somam quase dois quintos do orçamento para educação dos núcleos familiares.
A situação leva 8% das famílias em países de rendas baixa e média a fazer empréstimos para pagar para os filhos irem à escola. O diretor do Relatório Global de Monitoramento da Educação, Manos Antoninis, explica que em países como Uganda, Haiti, Quênia e Filipinas, 30% das famílias têm de fazer empréstimos para dar conta dos gastos com a educação dos filhos.
A diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, também afirmou que é preciso estabelecer padrões mínimos pelos governos em escolas estatais e não-estatais para garantir que os alunos mais desfavorecidos tenham oportunidades iguais de usufruir dos benefícios de uma educação de qualidade. A chefe da agência da ONU acrescentou que mecanismos igualitários de financiamento devem ser estabelecidos, garantindo que aqueles que vivem em contextos mais desfavorecidos não sejam penalizados.
Recomendações
A Unesco apresenta recomendações e pede que os países avaliem suas regulamentações para que a igualdade seja colocada no centro de suas ações. Entre as orientações, a agência sugere que os Estados-membros aumentem esforços para garantir acesso gratuito e subsidiado pelo governo a um ano de educação pré-primária. Outra recomendação é que sejam definidos 12 anos de primária e secundária para todas as crianças e jovens.
Para a Unesco, as autoridades devem estabelecer padrões de qualidade que se apliquem a todas as instituições públicas e particulares pois sistemas paralelos com diferentes expectativas, condições materiais e de funcionamento têm um efeito negativo na construção de um sistema de educação coerente para todos os estudantes.
A entidade também recomenda que os governos sejam capazes de monitorar e aplicar as regulamentações bem como incentivar inovações. Por fim, segundo a Unesco, os Estados devem proteger a educação de interesses particulares e restritivos, já que a transparência e a integridade da educação pública ajudam a proteger os estudantes mais desfavorecidos.