Foi preciso o Ministério Público de Contas (MPC) vir a propor uma representação para apontar irregularidades na criação de normas municipais e protocolos para uso de medicamentos sem evidência científica que possibilite terapia específica de intervenção na Covid-19. São 25 municípios capixabas que insistem no erro e da Grande Vitória está Vitória e Vila Velha. São eles: Vitória, Vila Velha, Brejetuba, Laranja da Terra, Jaguaré, Santa Teresa, Sooretama, São Gabriel da Palha, Castelo, Guarapari, Ibiraçu, Itarana, João Neiva, Pancas, Santa Maria de Jetibá, Venda Nova do Imigrante, Pedro Canário, São Domingos do Norte, Afonso Cláudio, Alto Rio Novo, Governador Lindenberg, São Gabriel da Palha, Colatina, Presidente kennedy e Alegre.
O MPC pediu a concessão de medida cautelar ao Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) para que esses municípios suspendam imediatamente os atos que permitem o prosseguimento da indevida distribuição do chamado “Kit Covid”. A representação tramita no Tribunal de Contas sob o número 3426/2021 e tem como relator o conselheiro Sérgio Borges. Leia a seguir a íntegra do documento do MPC:
TC-3426-2021-Representacao-MPC-kit-covidNa representação, o MPC também pede que seja determinada a realização de processo de fiscalização na modalidade levantamento com o objetivo de identificar os órgãos municipais e estaduais que tenham instituído protocolo para o uso de medicamentos para tratamento de pacientes com suspeita ou confirmação de Covid-19, bem como adquirido as respectivas medicações, sem embasamento técnico-científico, a fim de apurar as responsabilidades, individuais e solidárias, nos casos em que forem identificadas graves violações às normas legais e eventuais prejuízos ao erário.
O órgão ministerial usa como base da representação a Nota Técnica 242/2021, emitida pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do Sistema de Saúde (Conitec) do Ministério da Saúde e enviada à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, na qual foi informado que os medicamentos cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina não devem ser utilizados em pacientes hospitalizados por causa da Covid-19.
O documento do Ministério da Saúde expõe que os medicamentos do denominado “Kit Covid” não mostraram benefícios clínicos na população de pacientes internados. Por isso, o MPC entende a necessidade da adoção de medidas urgentes para evitar prejuízos aos cofres públicos e que os vícios apontados na representação, os quais demonstram “o amadorismo e a irresponsabilidade dos gestores” ao admitir protocolos medicamentosos sem qualquer suporte científico, continue possibilitando danos à saúde da população pela sua indevida administração e desabastecimento dos referidos fármacos para a continuidade do tratamento dos pacientes a que eles são cientificamente indicados, além de realizar gastos de maneira injustificada.
“Critério ideológico e má fé”
Conforme a representação, a instituição de protocolos para tratamento da Covid-19 com a utilização dos medicamentos cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina não ocorreu com base em justificativas plausíveis e adequada à legislação, pois a opção escolhida pelos gestores não se deu por critérios científicos, mas sim ideológicos ou políticos. O órgão ministerial acrescenta que além de constar nos próprios instrumentos normativos de muitos municípios a falta de amparo cientifico naquele momento da instituição do protocolo, persiste até o momento sem qualquer eficácia e segurança o uso desses medicamentos para tratamento da Covid-19.
Outro ponto destacado pelo MPC é a existência de estudos registrando que a utilização dos medicamentos do chamado “Kit Covid” pode causar danos diversos ao organismo, além de não alcançar qualquer resultado satisfatório no tratamento da Covid-19.
“Logo, abala o sentimento de qualquer cidadão o amadorismo e a possível lesividade à saúde da população a inserção de protocolos medicamentosos sem evidências científicas concretas, evidenciando, outrossim, o desleixo com os recursos públicos que envolve a tormentosa questão, chegando a causar repulsa, uma vez que a despesa, além de ilegítima, também é antieconômica”, enfatiza a representação ministerial.
Dessa forma, o MPC considera caracterizada a má-fé dos responsáveis pela instituição de protocolos e compras de medicamentos sem evidência científica comprovada contra a Covid-19, aponta possível desperdício de dinheiro público e entende que a atuação desses responsáveis demonstrou que eles “tratam o dinheiro público como se fosse coisa de ninguém, ou talvez coisa deles próprios, já que o utilizam de forma despropositada, desprezando a escassez de recursos públicos para prestação de tantos outros serviços públicos (saúde, educação, saneamento, etc), principalmente no período calamitoso decorrente da pandemia, e também a saúde da população que fica à mercê do uso de medicamentos que podem ser prejudiciais porque indevidamente adotados.”
Diante dos indícios de graves irregularidades mencionados, o Ministério Público de Contas entende que eles são suficientes para caracterizar ato de gestão ilegítimo e antieconômico que ofende os princípios constitucionais da legalidade, da moralidade, da eficiência e da supremacia do interesse público. Assim, propõe que seja determinado aos entes municipais e estaduais que se abstenham de adquirir medicamentos especificamente para o tratamento precoce ou de pacientes hospitalizados por Covid-19 sem comprovação científica, até que o processo seja julgado de forma conclusiva.