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Zara usa código em sistema de som para alertar seguranças sobre entrada de negros e pessoas com “roupa simples”

Polícia Civil cearense descobriu que a loja Zara adota no sistema de som o código racista “Zara zerou” para ‘alertar’ os seguranças sobre a entrada de negros e de pessoas com “roupa simples” e, assim, exercerem um acompanhamento bem próximo das pessoas discriminadas por racismo ou por condição social inferior a um “rico”

Loja Zara do Shopping Iguatemi, em Fortaleza, onde Polícia Civil constatou crime discriminação racial e social | Foto: Divulgação

A rede espanhola de lojas de roupas Zara já possui um histórico desabonador no Brasil. Em 2011, uma fiscalização realizada pela Superintendência Regional do Ministério do Trabalho de São Paulo flagrou trabalhadores bolivianos em condições análogas à escravidão em duas oficinas subcontratadas de forma irregular por um então fornecedor da Zara. Na época, a empresa exigiu que o fornecedor responsável pela subcontratação não autorizada regularizasse a situação “imediatamente” e assumiu responsabilidade social sobre o caso. Agora, a mesma Zara está sendo acusada pela Polícia Civil do Ceará de crime de racismo e de discriminação social.

De acordo com comunicado à imprensa feito pela Polícia Civil do Ceará (PCCE), foi concluída nesta semana as investigações relacionadas ao inquérito policial que apurava um caso de racismo, ocorrido no último dia 14 de setembro, em uma unidade da loja Zara, localizada no Shopping Iguatemi, em Fortaleza (CE). O suspeito do caso, que é gerente da unidade, foi indiciado pelo crime de racismo. Detalhes do trabalho policial foram divulgados nesta semana, na sede da Superintendência da Polícia Civil, no Centro de Fortaleza, em coletiva de imprensa.

Polícia comprovou “atitude” discriminatória

As investigações desenvolvidas por um coletivo de delegadas da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Fortaleza concluíram que o gerente Bruno Filipe Simões Antônio, 32 anos, de naturalidade portuguesa, praticou o crime de racismo contra a vítima. Sendo o suspeito indiciado no artigo 5º da Lei de Crimes Raciais – por recusar, impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador. As imagens analisadas pela Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) e pelo Departamento de Inteligência Policial (DIP) da PC-CE demonstram a atitude discriminatória do suspeito.

Durante o curso das investigações, além das imagens captadas, a Polícia Civil tomou depoimentos de oito testemunhas, além da vítima e do suspeito. Entre as pessoas ouvidas, está uma mulher negra, de 27 anos, que relatou, em redes sociais, ter passado por situação semelhante, no final do mês de junho deste ano, na mesma loja. Ainda foram ouvidas duas ex-funcionárias do estabelecimento que relataram episódios de assédio moral e procedimentos discriminatórios na forma de atendimento a possíveis clientes. Também foram ouvidos três seguranças do shopping onde a loja funciona, bem como o chefe de segurança do local, que voltou à loja com a vítima minutos após a expulsão.

Loja só entregou imagens após ordem judicial

O material visual obtido por meio do circuito interno da loja revela o tratamento diferenciado dado pelo funcionário da loja à vítima. Nas imagens, é possível ver quando a vítima é expulsa do local, quando minutos antes, o mesmo funcionário atendeu uma cliente que, mesmo não consumindo nenhum alimento, não fazia o uso correto da máscara. A cena foi observada em outras situações onde outros clientes também não foram retirados da loja ou abordados para que utilizassem a máscara de forma correta.

Para ter acesso ao material visual, foi necessário o cumprimento de um mandado de busca e apreensão do equipamento eletrônico da loja, ocorrido no dia 19 de setembro. O mandado foi solicitado pela Polícia Civil após a loja se recusar a fornecer o material, pois segundo um funcionário da Zara, seria necessária avaliação do setor jurídico da loja e, somente após essa análise, seria dado retorno sobre a disponibilização das gravações feitas pelas câmeras.

O que diz a lei:

A PCCE lembra que no Brasil, a criminalização do racismo é assegurada pela Lei nº 7.716/89 – conhecida como Lei Caó em homenagem a seu editor, Carlos Alberto Oliveira. A lei concretiza a previsão constitucional do inciso XLII do artigo 5º, que revela a obrigatoriedade de penalização da prática do racismo e, além de assegurar o exercício da ação penal sem limitação temporal, submete eventual condenado a um cumprimento mais rigoroso da pena.

A Lei nº 7.716/89 tipifica diversas condutas como crimes de racismo, elencando situações onde uma pessoa, em razão de sua raça, seja impedida de praticar atos do dia a dia, como entrar em determinados locais, comprar determinadas coisas, não ser atendido em algum estabelecimento, ser privado de algum trabalho ou ser segregado do convívio comum com outras pessoas.

No caso investigado, a atitude do indiciado de impedir o acesso da vítima ao estabelecimento comercial se enquadra no preceito primário do artigo 5° da Lei de Racismo: recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador. Com pena de reclusão de um a três anos.

A diferença entre injúria racial e racismo

O crime de injúria racial está previsto no Código Penal Brasileiro e consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Ou seja, diz respeito principalmente a situações que envolvem a honra de um indivíduo específico, geralmente por meio do uso de palavras preconceituosas.

Já o crime de racismo está previsto na Lei 7.716/89, e ocorre quando o agressor atinge um grupo ou coletivo de pessoas, discriminando uma etnia de forma geral. A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo. Ao contrário da injúria racial, cuja prescrição é de oito anos, o crime de racismo é, além de inafiançável, imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal.

Qual é a responsabilidade da loja?

Segundo a PCCE, a loja poderá ser responsabilizada na esfera civil por danos morais, visto que no artigo 932, inciso III do Código Civil, diz que “são (…) responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”. Ou seja, quando uma empresa contrata um funcionário e este age em seu nome, a empresa se torna responsável pelas ações dele. Se ele erra, a empresa é responsável pelo erro dele.

Registro na Delegacia Eletrônica

Em maio deste ano, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS/CE) incluiu três novas tipificações criminais para registro de ocorrências na Delegacia Eletrônica (Deletron). Os crimes de preconceito, sejam eles por raça, cor ou condutas homofóbicas ou transfóbicas, passaram a ser registrados na Delegacia Eletrônica da PCCE. As tipificações, que estão amparadas na Lei de Racismo (Lei nº 7.716/1989) e em consonância à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26/DF, já podem ser cadastradas pelo usuário da Deletron.

O registro desse tipo de ocorrência passou a ser realizado de forma virtual, permitindo que a vítima não precise se deslocar a uma delegacia física em busca de atendimento. Os Boletins Eletrônicos de Ocorrência (BEO) podem ser registrados na Deletron em qualquer horário do dia ou da noite. A Delegacia Eletrônica atende todo o Estado do Ceará. Logo após o registro e aprovação dos BEOs, a ocorrência é transferida para a delegacia responsável, que iniciará as investigações.

Roupas provenientes de trabalho escravo

A marca Zara se consolidou no Brasil por comercializar roupas produzidas por trabalho escravo. Não foi em 2011, mas em outros repetidos flagrantes feitos também pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) foram constatadas explorações trabalhistas da empresa espanhola. O alvo são imigrantes, como bolivianos, que de acordo com denúncias do MPT trabalham na produção das caríssimas roupas da Zara em troca de prato de comida, sem nenhum direito trabalhista, o que órgão federal entende como sendo trabalho análogo à escravidão.

“Por se tratar de uma grande marca, que está no mundo todo, a ação se torna exemplar e educativa para todo o setor”, coloca Giuliana Cassiano Orlandi, auditora fiscal que participou de todas as etapas da fiscalização. Foi a maior operação do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo Urbano da SRTE/SP, desde que começou os trabalhos de rastreamento de cadeias produtivas a partir da criação do Pacto Contra a Precarização e Pelo Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo – Cadeia Produtiva das Confecções.

Quem é a marca Zara

Zara é uma rede de lojas de roupas e acessórios para o público feminino, masculino e infantil com sede na Espanha. Fundada por Amancio Ortega e Rosalía Mera. Pertence ao Grupo Inditex, que também detém outras marcas tais como: Massimo Dutti, Pull and Bear, Oysho, Bershka, Stradivarius, Uterque, Kiddy’s Class além da Zara Home (linha para a casa, que está presente em alguns países). Recentemente, a marca foi avaliada em US$ 25,135 milhões pelo ranking BrandZ, e é tida como a marca mais valiosa da Espanha.

A maior parte dos produtos ofertados em suas lojas são importadas porém por causa das dificuldades no processo de Comércio Exterior, passou a valer-se de fornecedores locais. A Zara chegou no Brasil em  2012 e nesses nove anos de atuação no mercado brasileiro se expandiu e possui 56 lojas, inclusive em Vitória (ES). Nessa recente acusação da Polícia Civil cearense, entidades do movimento negro entraram com uma ação na justiça do Ceará cobrando R$ 40 milhões de indenização por dano moral coletivo.