Com pompa, o governador Renato Casagrande (PSB) sancionou no salão nobre do Palácio Anchieta, na tarde desta última quarta-feira (11) a Lei estadual 11.610, de autoria do pastor evangélico e deputado bolsonarista estadual Marcos Mansur (PSDB). A lei se autodenomina de Estatuto da Liberdade Religiosa no Espírito Santo. Mas, o “Estatuto” foi feito sem ouvir as religiões de matriz. A “liberdade” religiosa é voltada para um segmento, preferencialmente, o evangélico, alegam os adeptos de religiões como espíritas e umbandistas.
O Estatuto sancionado pelo governador do PSB possui 83 artigos e tem ênfase em impor benefícios a adeptos ao funcionalismo público que segue orientação de religiões. No artigo 69 está definido que os professores devem “incutir em alunos, valendo-se da posição de superioridade hierárquica de professor, convicções religiosas e ideológicas que violem a liberdade religiosa”. O artigo gera polêmica com os estudantes que seguem doutrinas religiosas africanas ou asiáticas e passam a levar uma lavagem cerebral com doutrinas religiosas diferentes. Ou até mesmo à ateus, que serão obrigados a serem “incutidos” com religiosidade.
No artigo 56 as autoridades do executivo não poderão impedir aos funcionários que parem de trabalhar, para promoverem a realização de cultos evangélicos no local de trabalho. “É vedado ao Estado interferir na realização de cultos ou cerimônias ou ainda obstaculizar, o exercício da liberdade religiosa, ficando os agentes estatais sujeitos à responsabilização administrativa, sem prejuízo da declaração administrativa e/ou judicial de nulidade dos referidos atos administrativos ilícitos”.
Outro artigo que levantou dúvidas é 29, já que pastores evangélicos vêm atuando junto a políticos em busca de poder e de cargos comissionados com valores elevados. Esse é o caso de um município da Grande Vitória, onde pastores tem cargos com salários acima de R$ 10 mil. O artigo 29 garante que o Estado do Espírito Santo é laico, “não havendo uma religião ou organização religiosa oficial, e onde se garante às organizações religiosas uma não interferência estatal em sua criação e funcionamento, assim como qualquer interferência dessas nos assuntos de ordem pública”. Leia a seguir a íntegra do projeto que virou o Estatuto, em arquivo PDF:
Processo-8824_2021-Projeto-de-Lei-399_2021Regalias
No artigo 19 , o Estatuto garante regalias para servidores públicos, empregados públicos, agentes públicos e agentes políticos da Administração Direta e Indireta do Estado do Espírito Santo , que devido a eventos de sua religião, poderão “ausentar-se do trabalho no dia de guarda religiosa, nos períodos e horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam, nos termos do artigo 5º, inciso VIII, da Constituição Federal e nas seguintes condições: I – trabalharem em regime de flexibilidade de horário; II – comprovarem ser membros de organização religiosa, através de declaração dos seus líderes; III – haver compensação integral do respectivo período de trabalho.
E no artigo 20 estende as regalias para os trabalhadores de empresas privadas, caso a firma onde atuem tem relação com o Governo do Estado. “Artigo 20 – Os trabalhadores em regime de contrato de trabalho das pessoas jurídicas que tiverem qualquer tipo de contrato, parceria ou associação com o Estado do Espírito Santo, Administração Direta e Indireta, também terão assegurados, enquanto seus empregadores mantiverem relação ou vínculo com o Poder Público Estadual, os mesmos direitos previstos no artigo 19 desta Lei e para tanto o Estado do Espírito Santo deverá observar esse dispositivo nas suas contratações e parcerias a fim de que conste nos editais, contratos e outros instrumentos de parcerias e ainda, afim de que as empresas, associações, Organizações Sociais (OSs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e quaisquer pessoas jurídicas que venham manter associação com o Estado do Espírito Santo, possam se adequar a esse comando normativo.
Estatuto antidemocrático
O Estatuto que tinha a pretensão de ser de “Liberdade Religiosa”, está sendo visto pelos que seguem as religiões de matriz africana de antidemocrático, por ter sido feito à revelia desses religiosos e sem ouvir a opinião. O Centro Nacional de Africanidades e Resistência Afro-Brasileira no Espírito Santo (Cenarab-ES) emitiu nota de repúdio, onde diz que o Estatuto feito pelo pastor evangélico bolsonarista não observa “as reais questões e problemáticas inseridas na pauta do combate à intolerância religiosa, nem indica as formas de enfrentamento, pelo governo estadual, ao racismo religioso e suas formas de manifestação”.
A entidade ainda acusa o documento dos evangélicos ser “um retrocesso à Legislação Nacional dos Povos Tradicionais de Matrizes Africanas, invisibilizando com tal atitude lutas históricas do segmento”. Ainda foi dito que em momento algum o pastor Mansur convidou os espíritas ou umbandistas e demais religiões de origem africana para opinar e dar contribuições para a confecção do documento. Também foi considerado que o documento, que o governador do PSB, fez convite para assistir o ato de sanção, é um retrocesso ao Estatuto da Igualdade Racial. E finalizam as críticas dizendo que o Esstatuto do bolsonarista é “monte de letra num papel branco que não diz nada”
Quem é o bolsonarista autor do Estatuto
O evangélico bolsonarista foi acusado de espalhar Fake News durante a pandemia, de ter dito que o vírus do Covid foi “criado” na China e se posicionou contrário à quarentena orientada pela ciência e pelas autoridades da área de saúde. “Lockdown, infelizmente, é um mecanismo de condicionamento de uma agenda ideológica, que está sendo implantada no planeta. Foi por isso que o vírus maligno, mortal, chinês, repito, foi criado e estrategicamente espalhado pelo planeta”, disse o pastor bolsonarista.
Ele ainda foi o parlamentar estadual que mais consumiu dinheiro público com gasto de gasolina em mandatos anteriores, além de gastos com selo dos Correios. Mansur foi eleito com 0.70% dos votos válidos (13.736 votantes), e está no terceiro mandato de deputado estadual. Ele nasceu em Cachoeiro do Itapemirim, e nas eleições municipais de 2008 e de 2012 foi vereador naquele município. O deputado tem diploma de Ciências Agrícolas e formação em Teologia e pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior.
O parlamentar dirige a Igreja Batista Renovada de Cachoeiro de Itapemirim. Nas eleições de 2018 ele se declarou ferrenho defensor de Bolsonaro e afirmou quer votaria nele no segundo turno. Naquela ocasião ele disse à imprensa que “defende os mesmos valores do candidato do PSL (Bolsonaro)”.
Quais são os números de religiosos no ES
A última pesquisa sobre religiosidade no Espírito Santo foi feita pelo IBGE no Censo de 2010. Apesar de defasados, esses são os números atuais. De acordo com aquela pesquisa, o IBGE apurou que no Estado há 364.469 pessoas que se declararam sem religião. Naquele ano 44.156 capixabas disseram que seguem religiões espíritas, sendo 36.593 espíritas, 447 espiritualistas, 2.894 que seguem a umbanda, 3.558 com orientação umbanda e candomblé e 46 de “outras declarações de religiosidades afro-brasileira. Foram 1.873.280 católicos apostólicos romanos, 4.231 católicos apostólicos brasileiros e 1.268 católicos ortodoxos, além de 1.138 budistas. Os evangélicos totalizaram naquele ano 1.164.242 capixabas, sendo 642.573 pentecostais, 324.471 da Assembleia de Deus, 25.273 da Igreja do Evangelho Quadrangular, 130.949 da Maranata, 27.413 da Igreja do Reino Universal e 2.853 da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Há 83 pessoas que seguem o hinduísmo. São 900 moradores do Estado que declaram no último censo do IBGE que seguem o judaísmo e 617 que professam as tradições indígenas. A integra da pesquisa pode ser vista clicando neste link.