As crianças no Brasil estão ficando mais altas e mais obesas: é o que afirma um novo estudo publicado no The Lancet Regional Health – Americas, realizado por pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em colaboração com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a University College London.
A pesquisa se baseou na observação das medidas de mais de cinco milhões de crianças brasileiras. Os resultados indicaram que, entre 2001 e 2014, foi registrado um aumento de 1 cm na trajetória de altura infantil. As prevalências de excesso de peso e obesidade também apresentaram um aumento considerável entre os dados analisados.
Longe da meta da OMS de deter a obsidade até 2030
“Esses resultados indicam que o Brasil, assim como todos os países do mundo, está longe de atingir a meta da [Organização Mundial da Saúde] OMS de ‘deter o aumento’ da prevalência da obesidade até 2030”, explica a pesquisadora associada ao Cidacs/Fiocruz Bahia e líder da investigação Carolina Vieira.
A equipe utilizou o banco de dados formado pela vinculação de três sistemas administrativos: o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), o Sistema de Informação de Nascidos Vivos (Sinasc) e o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan).
A população total do estudo foi de 5.750.214 crianças, de 3 a 10 anos, que foram divididas em duas coortes, considerando os nascidos de 2001 a 2007, e os nascidos de 2008 a 2014. Ainda foram levadas em conta as diferenças entre os sexos declarados, ou seja, foi estimada uma trajetória média de índice de massa corporal (IMC) e altura para meninas, e outra para meninos.
Diferenças no crescimento
A equipe de pesquisa pôde constatar um aumento na trajetória média de altura da coorte de 2008-2014 de aproximadamente 1 cm em ambos os sexos, em relação à coorte de 2001-2007. Quanto à trajetória média de IMC, houve um aumento de 0,06 kg/m2 entre meninos e 0,04 kg/m2 entre meninas, para as duas coortes.
Na comparação entre as duas coortes, a prevalência de excesso de peso para a faixa etária de 5 a 10 anos aumentou 3,2% entre meninos e 2,7% entre meninas. No caso da obesidade, o aumento da prevalência passou de 11,1% para 13,8% entre os meninos e de 9,1% para 11,2% entre as meninas (um aumento de 2,7% e 2,1%, respectivamente).
O mesmo se deu para a faixa etária de 3 e 4 anos. Houve um aumento do excesso de peso em 0,9% entre os meninos e 0,8% entre meninas. Já para a obesidade houve um aumento de 4% para 4,5% nos meninos e de 3,6% para 3,9% nas meninas, ou seja, um crescimento de 0,5% e 0,3%, respectivamente.
De acordo com Carolina Vieira, este foi o primeiro estudo a usar dados longitudinais de medidas antropométricas – como peso e altura – em uma coorte tão extensa para avaliar as tendências das trajetórias de IMC e altura.
Causas e repercussões
“Possuir uma estatura mais alta”, afirma Carolina, “está associado a desfechos positivos na saúde, como menor probabilidade de doenças cardíacas, derrame, e maior longevidade. O crescimento na altura das crianças brasileiras reflete o desenvolvimento econômico e as melhorias das condições de vida de anos passados”, argumenta. Outros estudos já haviam percebido a tendência de aumento da altura dos brasileiros, entre as décadas de 50 a 80.
Se por um lado, este é um resultado animador, a tendência de aumento da obesidade traz preocupações. Novos padrões na dieta – com destaque para o papel dos ultraprocessados –, e o aumento do comportamento sedentário e inatividade física contribuem para esse cenário, embora a obesidade seja uma doença complexa e multifatorial. Além disso, uma maior prevalência de obesidade traz consigo o risco do aumento de doenças crônicas não-transmissíveis.
A pesquisadora explica as repercussões disto na saúde pública: “Vale destacar que esse impacto será ainda maior na população de crianças mais pobres, onde a prevalência da obesidade vem aumentando mais. As políticas de prevenção devem ser direcionadas de forma mais específicas para esse grupo social”, considera.
Processo de pesquisa
A limpeza do banco de dados estudado foi realizada de acordo com os valores identificados como “biologicamente implausíveis”, definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Também foram excluídas do escopo do estudo crianças com registros incompletos ou inconsistentes.
Para Carolina, um dos destaques da pesquisa é a potencialidade dos dados administrativos para a produção de ciência. “Quando olhamos para os estudos de trajetória infantil, vemos que eles estão principalmente concentrados nos países de alta renda. Por meio da vinculação desses três diferentes sistemas governamentais, conseguimos construir uma estrutura longitudinal (com medidas de peso e altura para mais de 5 milhões de crianças) sem precedentes no mundo”, completa.
Serviço:
Para acessar ao que foi publicado no The Lancet Regional Health – Americas, em inglês, clique neste link.