No seu último ano de mandato, o presidente Jair Bolsonaro (PL) mirou para a entregar fazer com que a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) seja o primeiro porto público do Brasil a ser entregue para o controle de empresários, que objetivam única e exclusivamente o lucro e não o desenvolvimento da comunidade onde as instalações portuárias estão inseridas. Por perversidade, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sob o comando do governo de Bolsonaro, fez o anúncio nesta última sexta-feira (21), quando faltava exatamente uma semana antes do Dia do Portuário, celebrado em 28 de janeiro. O anúncio foi a publicação do edital de venda.
Sergundo o BNDES, a privatização prevê além da transferência do controle da companhia aos empresários, a concessão dos portos de Vitória e Barra do Riacho, localizados no litoral capixaba. O modelo é o primeiro envolvendo a venda de uma companhia doca com a concessão dos portos por um prazo de 35 anos. O leilão ocorrerá no dia 25 de março. Em nota à imprensa, o presidente do banco, Gustavo Montezano, usou o chavão de sempre para esses casos, assim como foi a retirada dos direitos trabalhistas dos empregados na reforma da legislação do trabalho.
Discurso de sempre
“A desestatização da Codesa é um marco na história da nossa infraestrutura, porque abre uma janela de oportunidades inédita para a logística brasileira. Por ser a primeira nesse modelo, o BNDES observou experiências internacionais e adaptou à nossa realidade após extensiva escuta de segmentos da cadeia produtiva. É investimento. É emprego. É maior competitividade e menos Custo Brasil. Um novo vetor de desenvolvimento para o Brasil sendo gestado a partir da nossa Fábrica de Projetos, assim como ocorreu no setor de saneamento. É uma honra apoiar o Ministério da Infraestrutura em mais essa inovação”, disse o executivo indicado por Bolsonaro para presidir o BNDES em um usual discurso quando um bem público é entregue para as mãos de empresários.
O Porto de Vitória, localizado no Centro Histórico de Vitória, e em Capuaba, Vila Velha, tem um portfólio de cargas consolidado e uma posição favorável de acessos rodoviário e ferroviário. Os estudos indicaram potencial para dobrar a movimentação de cargas, de 7 milhões de toneladas para 14 milhões de toneladas por ano ao longo da concessão. Em termos de área disponível, apenas em Vitória há 500 mil metros quadrados e 14 berços de atracação, boa parte dos quais operada atualmente pela autoridade portuária. Cerca de metade destas áreas encontra-se disponível para o desenvolvimento de novos negócios.
Já a concessão do Porto de Barra do Riacho, especializado no embarque de celulose e com uma movimentação atual de 8 milhões de toneladas por ano, traz grandes oportunidades para exploração de novas áreas. Dos 860 mil metros quadrados de área total disponível, 522 mil metros quadrados são greenfield (ainda a serem utilizados). O porto conta com dois berços de atracação dedicados à movimentação de granel líquido e acessos terrestres ferroviário e rodoviário. Enaltecendo os desejos de Bolsonaro de entregar a Codesa para os empresários, o superintendente do BNDES, Cleverson Aroeira, destacou que “o modelo de desestatização para os portos de Vitória e Vila Velha inaugura um novo ciclo virtuoso para os portos organizados brasileiros, trazendo novas oportunidades de investimentos para o setor. O projeto irá dinamizar a gestão dos ativos e permitir que a capacidade logística da região seja plenamente desenvolvida”.
Posição do Suport-ES
O Sindicato Unificado da Orla Portuária do Estado do Espírito Santo (Suport-ES) distribuiu aos portuários o boletim Acontece no Cais, logo em seguida ao anúncio feito pelo BNDES. “Os portuários não sabem para onde vão, o que vão fazer, como vão reprogramar suas vidas, principalmente os concursados, que projetaram seus ideais em cima da concretização da estabilidade pública. Os avulsos também vivem um momento de insegurança, pois garantia de mais cargas e mais postos de trabalho não há”, inicia o texto.
É lamentável ver a imprensa dar destaque ao assunto como sendo positivo para a sociedade, influenciando a própria população a ficar contra si mesma. Estamos falando de empregos, postos de trabalho, oportunidades que não serão criadas a partir da privatização, como afirma o governo Bolsonaro, que não mostra onde e nem de que forma serão geradas essas vagas.
O Suport-ES diz isso porque vê, como representante legítimo dos trabalhadores portuários, as cargas indo para outros estados, a mão de obra sendo gradualmente substituída por outra mais barata e sem qualificação e os riscos de acidentes de trabalho e avarias aumentarem. Portuário quando sofre acidente no porto ou fica inválido ou morre.
O assunto é sério, mas não quer ser considerado pela mídia, que amanhã vai ocultar esses dados para dizer que a privatização vai muito bem, obrigado.
As comunidades vizinhas não sabem de onde virão esses empregos, pois são as maiores interessadas em trabalhar ao lado de casa e ver seu bairro se desenvolver.
O interesse econômico paira por trás da ideologia política de vangloriar o privado em detrimento do público, escondendo a verdade e enganando a população.
O Suport-ES está fazendo o seu papel de se posicionar em defesa do trabalho e do trabalhador. Contratou assessoria jurídica especificamente para tratar da desestatização junto aos tribunais superiores em Brasília, com atuação já no Tribunal de Contas da União (TCU).
Enviou também sua posição oficial à imprensa, que pouco deu espaço ao que vai acontecer com os portuários. Veja mais abaixo.
O Sindicato Unificado da Orla Portuária (Suport-ES), como representante dos trabalhadores da Codesa, de Portocel, do TVV Login, da VOL, do Peiú, além dos portuários avulsos, defende que a Autoridade Portuária não seja privatizada da forma como o processo está sendo conduzido, sem a devida participação dos trabalhadores, das comunidades locais, dos municípios e do Estado.
Trata-se de um ente público, um patrimônio do povo. Empregados concursados estão sendo demitidos e os que ainda estão na empresa precisam de mais garantias sobre seu futuro, pois um ano de estabilidade, como foi proposto, é muito pouco para que esses profissionais, extremamente especializados, possam reprogramar suas vidas.
Os trabalhadores portuários avulsos (TPAs) também temem perder postos de trabalho, uma vez que o porto privatizado vai visar o lucro, aumentando tarifas e levando as cargas a migrarem para outros portos, o que vai reduzir a oportunidade de contratação desses trabalhadores e a arrecadação de impostos municipais e estaduais.
Como integrante do Fórum Permanente Portuário (FPP), o Suport-ES considera que é preciso maior reflexão sobre as alternativas e as consequências do modelo proposto, que inevitavelmente restringirá a atuação dos operadores portuários e aumentará os custos portuários, com reflexo em toda a cadeia de importação e exportação do Espírito Santo.
“Haverá um esvaziamento econômico do setor de serviços portuários nos próximos 35 anos, comprometendo severamente o desenvolvimento socioeconômico regional e, consequentemente, a contratação de mão de obra especializada e reconhecida por lei como a única capacitada para executar as atividades dentro do porto público. Somente o maior debate e aprofundamento do papel do porto público permitirá o efetivo alcance de mais investimentos, empregos e desenvolvimento da economia do Espírito Santo e do Brasil”, disse Marildo Capanema, presidente do Suport-ES.
O sindicato está aberto ao diálogo e aguarda convite da Codesa para intensificar o debate.